Dia feliz

Era um fim de tarde tranquilo, numa sexta-feira em que eu e meu marido estávamos ocupados em resolver algumas questões relacionadas à reforma que estávamos fazendo em casa. A nossa filha estudava no seu quarto e o nosso cachorrinho dormia no sofá.

Nós o apelidamos de caçador de fofura, porque ele sempre escolhe o lugar mais fofo da casa para se deitar. Se houver um aglomerado de almofadas, é lá que ele estará. Desde que ele veio viver conosco, há sete anos, moramos em três lugares diferentes: um apartamento e duas casas sem quintal, por isso a maior parte da vida dele se passou em ambiente doméstico, entre quatro paredes.

Faz muitos anos que trabalho em casa, prestando serviços através do computador, e a um certo ponto senti uma vontade enorme de voltar a ter a companhia de um cachorro. Dizem que esse é um sentimento egoísta de alguém que deseja ter sempre à disposição uma fonte de afeto para satisfazer as próprias carências. Não discordo completamente. Penso que a necessidade de ter de um animal de estimação é algo que nasce desse anseio por afeto, atenção, amizade, lealdade, por uma presença constante, certa, segura de alguém sempre disposto a reconhecer no outro o motivo da própria alegria de viver. Mas só quem já teve o privilégio de conviver com cães sabe que não é só isso. Na verdade, a coisa toda começa assim mesmo, mas conforme a relação vai evoluindo, acontece algo que extrapola qualquer interesse mesquinho inicial e se cria um compromisso selado pelo bem-querer recíproco, no qual é possível experimentar a maravilhosa sensação de ver dissolvidos os limites entre si e o outro, numa fusão entre céu e inferno, prazer e dor, alegria e tristeza, sem reservas. Acho que isso seria a coisa mais próxima do que eu poderia definir como amor.

Mas algo deu errado naquela tarde de sexta-feira. Alguém saiu para pegar uma ferramenta no andar de baixo e deixou a porta da frente entreaberta. Foi só por um instante, e ninguém se deu conta de que foi o suficiente para que o cãozinho escapasse. Pouco tempo depois começamos a nos perguntar: onde está o Dino? Ele está aí em cima com você? Já procurou embaixo da cama? Nada. De um momento para outro passamos da tranquilidade à mais desesperada aflição. Moramos na parte antiga de uma cidade muito pequena de uma região interiorana da Itália, e nós três saímos correndo para procurar o Dino pelas vielas estreitas com a esperança de que ele não tivesse se afastado muito de casa. Nada. Meu marido pegou o carro e foi até um parque que fica a uns dois quilômetros de distância.

Quando ele chegou à Villa Fidelia, os portões já estavam fechados.

Nós costumamos levar o Dino para passear ali quando o tempo está bom, pois é um lugar muito bonito onde tem um casarão que pertenceu a personagens eminentes da história local e um grande jardim com estátuas, muitas árvores e banquinhos. Numa parte elevada, atrás do casarão, tem um enorme terraço onde fizeram um pomar de limoeiros plantados em grandes vasos para que possam ser deslocados no inverno para um local mais abrigado. Num dos nossos passeios, num dia muito quente de verão, sentei-me com meu marido num dos banquinhos desse terraço e fiquei observando aquele local todo cercado. Pareceu-me bem seguro e, como não havia mais ninguém, tive a ideia de soltar o Dino da coleira. No início ele achou aquilo muito estranho, não sabia o que fazer e ficou paralisado. Aos poucos, com o nosso incentivo, começou a afastar-se devagar, ia e voltava, até que ganhou confiança e partiu correndo para a parte mais distante do pomar, numa felicidade que só a sensação de liberdade pode proporcionar. Nós o acompanhávamos com o olhar e a sua alegria era contagiante. A um certo ponto vimos que ele começou a rolar na relva e a esfregar-se freneticamente no chão de barriga para cima e aquele espetáculo nos fez dar boas risadas. No momento de voltar para casa, o chamamos e ele teimou em continuar onde estava. Fomos até ele e, para nossa surpresa, descobrimos que toda aquela alegria tinha um motivo que não havíamos pressuposto: o Dino havia passado todo aquele tempo esfregando-se nos dejetos que outros cachorros haviam deixado ali. Eu não queria acreditar. Ele fedia horrorosamente. Depois de nos recuperarmos do choque, o lavamos numa torneira, apenas para tirar o excesso e podermos voltar para casa. Desse dia em diante, nunca mais o deixamos solto no parque.

Mas o que se passa na memória e no coração dos animais ainda é um mistério para nós.

Naquela tarde de sexta-feira, depois de mais de duas horas de buscas infrutíferas e de já ter começado a perder as esperanças de encontrá-lo, recebi um telefonema. Ele estava salvo. Havia encontrado um anjo pelo caminho que o havia limpado do mato e dos espinhos emaranhados no seu pelo comprido, dado água e levado ao veterinário onde foi possível identificá-lo. Ele foi encontrado num bairro que fica alguns quilômetros mais adiante da Villa Fidelia, seguindo pela mesma estrada. Ao abraçá-lo, em família, compartilhamos a mesma emoção e um imenso alívio por tê-lo novamente em casa, longe dos perigos das ruas. Ao mesmo tempo ficou no ar uma sensação desconfortável suscitada pela fuga. Não é fácil compreender e aceitar o desejo de liberdade dos seres que amamos quando isso nos leva a perdê-los de vista, perder o controle sobre suas vidas, ter de suportar a sua ausência e a falta de notícias. É como encarar a morte. Mas o mais difícil mesmo é aceitar a ideia do que seja a liberdade para o outro. Talvez para o nosso cãozinho tenha sido reviver um dos dias mais felizes da sua vida, no qual ele simplesmente pôde rolar na merda imperturbado. Pouco depois de tê-lo levado para casa, assistimos a um vídeo publicado nas redes sociais pela passageira de um automóvel que naquela sexta-feira à tarde passava pela estrada que conduz ao parque. Para o nosso desespero, o vídeo mostrava o Dino correndo desembestado pela pista, exposto ao perigo de ser atropelado a qualquer momento. Imagino que ele tenha tentado entrar, mas ao encontrar o portão do parque fechado, não lhe tenha restado outra opção senão continuar a correr sem rumo.