UM DIA INCOMUM

É um dia diferente, com certeza. A colheita de um repolho na horta da vida, de mais uma rosa no jardim ou de paz e alegria na lavoura da amizade, acontece somente uma vez por ano. Ainda bem. Fazer isso todos os dias seria muito enfadonho. Quem me conhece sabe que eu ficaria mais chata do que normalmente sou. Rotina tem que ser leve.

E a leveza começa com a mensagem de uma grande amiga. Só que no dia anterior. Agradeci é claro, mas não deixei de lembrá-la que não quero ficar mais velha por antecipação. Ela me retribuiu com uma caixinha de presentes virtual, pela minha gargalhada no áudio. Certamente, isso não é comum.

Não tem nada de normal também em não ganhar o bolo feito pela mamãe. Até hoje, nossa matriarca faz questão de presentear seus bebês com um monte de guloseimas. E frisa “é aqui em casa”. A reunião da grande família vai ter que esperar. Mas graças a tecnologia, a dupla mais amada do planeta conseguiu me abraçar. Presentão. Pai e Mãe, muito obrigada. Tecnologia, gratidão.

Nunca imaginei passar um dia de colheita dessa forma. Sozinha, porém não solitária. O mantra “ninguém me ama, ninguém me quer” passa longe da minha história, mesmo em tempos de pandemia. São muitas mensagens. São muitas lembranças. São muitas emoções. Alguém mais assistiu a live do Roberto Carlos?

Realmente, é muito emocionante perceber que, dentro de exatamente quatro anos, dobro o famoso Cabo da Boa Esperança. Se alguém aí pensava que eu tenho problemas em revelar a idade, pode despensar. Eu sei que este verbo não existe, mas em se tratando desta que vos escreve, tudo é possível.

O que é impossível, para mim, é viver em meio ao queixume. Apesar de tudo, sou muito agradecida. Troco o “ai que saco, tem que desinfetar os tênis quando volto da rua” por “que legal ter um par de tênis”. Assim posso voltar a fazer caminhadas. Mas a bursite de quadril tem que desgrudar. Será que dança da chuva resolve?

Substituo o “credo, mais um banho, depois de uma simples ida à lixeira” por “coisa boa ter um chuveiro”. Já passei da idade do Cascão. O personagem está ficando famosinho. Pela segunda vez ele é citado em uma crônica minha. Não sei se é cadeira cativa nos meus escritos. Mas na sutil arte de não gostar de tomar banho, com certeza.

“Lavar a máscara de novo”. Sim, e tantas vezes quantas forem necessárias. E sem chororô. Afinal, este acessório tão simples e ao mesmo tempo tão poderoso é a bola da vez. Seu corona, seu vírus, cara, criatura, você está me saindo um belo de um teimoso. E só quem conhece alguém teimoso sabe o trabalho que dá. Tenho pena de quem convive comigo.

Mas hoje, só hoje, quero pensar na colheita. Tarefa nem um pouco árdua. Feita debaixo de um céu azul, com o sol a pino e um arco-íris. Se tiver um pote de ouro no final, melhor ainda. Vai ser uma mudança e tanto. E mudar pode ser comum. Ou incomum.