A manhã de Marina

Era maio. O sol forçava seus raios na cortina entreaberta. Marina abriu os olhos e decidiu que aquele dia seria diferente. Empenhou-se a espreguiçar-se lentamente enquanto ouvia o som irritante dos cabelos friccionando o travesseiro. O coração já começava a acelerar e o desejo de ficar mais algum tempo aquecida entre os lençóis roubava-lhe a paz. Todos os dias eram assim.

A respiração ia ficando curta e o fato de sentar-se, colocar os pés no chão e ficar enfim de pé, associava-se à sua decisão de fazer a diferença.

Ela tinha lido Mrs. Dalloway, e queria copiar a frase célebre de Virginia: “Mrs. Dalloway decidiu que ela mesma compraria as flores”.

Foi pensando nisso que enfim enfiou os pés pálidos nas Havaianas surradas e caminhou devagar ao lavabo.

Ao encarar seu reflexo no espelho notou que seu rosto estava inchado, e não podia se lembrar da última vez que realmente se via como era.

Escovou os dentes pensando em como havia ganhado peso, e em como seus cabelos não brilhavam mais. Isso a fez pensar se realmente deveria atravessar a rua e ir à padaria.

“Se Mrs. Dalloway foi eu também vou!”

Tirou o pijama e teve um ímpeto de constrangimento ao notar que ele tenha sido seu uniforme diário.

Abriu o armário e tudo estava confuso. Nada lhe chamava a atenção. Resolveu não arriscar afinal jeans e camiseta te faz parecer comum e respeitável.

Seria mesmo necessário comprar pão? Talvez pudesse se virar com o restinho de biscoito um pouco murcho que estava naquele pacote aberto sobre a mesa, pensava ela, relutante em si mesma.

Quando penteou os cabelos, houve um resquício de dignidade em seu semblante.

- Talvez eu consiga!- Disse para si mesma encarando o espelho.

Calçou seu All Star batido, colocou os óculos, apanhou a chave e uma nota de dez reais, não tinha trocados. Segurando o trinco entre os dedos, sentiu como se estivesse indo atravessar o oceano a nado, sem saber nadar. Suas mãos transpiravam e um leve tremor que se originava nas pernas percorreu seu corpo todo.

Abriu a porta de uma vez, e começou a descer as escadas, menos de um minuto e já estava diante daquela rua movimentada. Carros, buzinas, musica, conversas e tudo o que ela precisava fazer era esperar o sinal abrir para atravessar.

“Será que o semáforo está funcionando? Será que estão olhando para mim? Acho que esta roupa está muito velha? Minha camiseta esta amassada? Talvez eu devesse voltar para casa e trocar! Não isso é loucura!”

Consumida por pensamentos mal pode notar o esverdear da luz diante de si.

Atravessou a rua meio cambaleante como um bêbado, cabeça baixa enquanto a mão molhava o dinheiro ja tão amarrotado.

“Pronto! Consegui!” Respirou um tanto aliviada.

Entrou na padaria pequena, o cheiro lhe trouxe um certo conforto.

-Pois não! - Disse o senhor do outro lado do balcão.

-Dois pães franceses, por favor!

Enquanto o homenzinho se virava para apanhar e embalar o pedido.

Marina queria correr.

“Pães franceses?! Que ridículo ninguém fala assim. Ele deve estar pensando que sou patética.”

-Mais alguma coisa? - Perguntou ele interrompendo os pensamentos dela.

-Não, é só isso mesmo! - Respondeu entregando a nota.

Pegou o pacote e o torcia tanto nas mãos, que por pouco não o rasgou.

Agarrou o troco: uma nota de 5, uma de dois e algumas moedas. Isso pouco lhe importava.

Agradeceu e saiu.

Quando sentiu o sol lhe tocar. E vislumbrou a rua novamente a sua frente, havia dois sentimentos dentro dela: satisfação e angustia.

Desta vez o sinal se abriu mais rápido e ela com olhos nos pés, apressou-se ainda mais. Precisava voltar para casa!

Subiu as escadas com alegria, entrou em casa e abriu as cortinas. O dia estava tão bonito!

Preparou seu café bem doce, como gostava e colocou manteiga no pão, apreciou aquele momento deixando que ele se prolongasse!

E quando só havia farelos de pão à sua frente. Marina não sabia o que fazer.

Voltou para o quarto, vestiu o pijama e encolheu-se entre as cobertas.

“Amanhã talvez eu prefira comer os biscoitos”.