Era um dia chuvoso, de garoa bem fininha

Havia no nosso quintal – naquela área onde tempos depois as paredes desmoronaram e quase mataram o Amarelo, nosso cachorro de estimação –, um pé de ameixas e um pé de goiabas que esse que vós fala, nas épocas de maturação, se esbaldava de tanto comer, saltando feito um menino macaco de lá pra cá de cá pra lá, recolhendo o máximo possível de frutas que as duas árvores podiam oferecer.

Eu simplesmente nunca me contentava, mesmo que já tivesse colhido o suficiente, sempre queria mais. Entretanto, esse tipo de ganância também me assaltava o espírito em outras tantas coisas que costuma dedicar algumas outras tantas horas dos meus dias. Exemplos disso, estavam nas Bolinhas de Gude, nos Tazos e nos Pipas. Brincadeiras que acabavam com aqueles gritos da minha mãe nos fins de tarde me mandando entrar.

Sim, eu era ganancioso e competitivo nas brincadeiras de rua. Porém, aquelas bolinhas amarelas de ameixa, e não as de vidro, por algum motivo que ainda hoje eu não sei explicar, eram as que mais despertavam a minha ambição. Eu, se fosse possível, podia passar o dia inteiro dependurado entre aqueles galhos, quiçá a noite inteira, e se de fato não ficava, era porque não tinha como enxergar no escuro.

O Amarelo geralmente ficava ali, amarrado ao pé da parede, próximo a ameixeira, observando minhas acrobacias. Lembro que no dia em que as paredes caíram, desmoronaram, algum anjo correu e soltou ele antes que fosse esmagado. Sua corrente simplesmente se quebrou e ele conseguiu fugir de ser soterrado pelos escombros, alguns segundos antes do desastre.

Dia estranho aquela. Como sempre, eu fui poupado da experiência imediata. Assim como daquela outra vez em que meu pai destruiu toda a casa, jogou todos os móveis na viela e tentou matar minha mãe enforcando-a com o cabo-de-vassoura, eu não estava em casa, só fui chegar tempos depois, quando tudo já tinha ocorrido.

Era um dia chuvoso, de garoa bem fininha. Eu vinha chegando da escola quando o Amarelo veio ao meu encontro para me informar com seus trejeitos de cachorro, o que havia acontecido com a nossa casa. Eu não me desesperei, mas imediatamente pensei na ameixeira e na goiabeira. Como se sabe, sem lar a gente vive, por outro lado, como sobreviver sem ameixas e goiabas?

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 16/05/2020
Reeditado em 16/05/2020
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