A distância entre dois mundos

A distância entre dois mundos

Jornei Costa

Sem desconsiderar o espaço e o tempo, ao viajar para Herval, o que mais chama a minha atenção são as pessoas nativas, aquelas que fazem parte da região da campanha. Elas são pessoas com jeitos e cultura própria e especial. Às vezes, me pergunto, o porquê da minha admiração, afinal no meu currículo eu tenho trinta e seis mil e setecentas horas de convívio com essas pessoas e com a lida de campo, resultado de vários meses de férias escolares na região. Mas sempre há espaço para surpresas. E esse era o tempero que estimulava a minha atenção como o fotógrafo que usa sua máquina fotográfica para registrar os melhores momentos e particularidades deste mundo, que tanto tem motivado as artes e a literatura riograndense.

No ônibus, a distância fica pequena, enquanto os passageiros ouvem histórias contadas por um e outro passageiro. Contos e paisagens se completam num filme gostoso de ser visto e ouvido. Enquanto ouve-se o piar dos pintos encerrados no porta-malas, o passageiro da poltrona treze complementa o seu conto interrompido na rodoviária de Pedro Osório: “e aí o fulano de tal tava num aparte de mangueira, quando de repente uma das vacas virou a cabeça e alinhou campo a fora. O fulano atropelou sua égua tostada para atacar a tal vaca e, deixa estar, naquele justo momento, uma outra vaca se mete na frente da égua do peão e aí tu já viste, ele levou um baita dum "boléo”.

Quando o ônibus pára, os cães já estão esperando o patrão no lado de fora da porteira e fazem a maior festa na recepção, como se fossem crianças a espera do Papai Noel. Os cães são tão participantes nas vidas dessa gente que eles também constroem fatos e as suas histórias são marcantes. Entrar mais um passageiro no ônibus teria passado em brancas nuvens se o seu amigo cão não tivesse “armado o maior barraco” querendo entrar junto com o seu dono. O alarido era hilariante, pois enquanto o dono do cão lutava para convencer o dito cujo que não podia viajar com ele, pelo menos naquele momento, o motorista e o cobrador, pelo visto já acostumados com este tipo de cena, pacientemente, aguardavam um final feliz para o contratempo.

No cinturão que segura as bombachas do gaúcho do Herval e arredores, o revólver deu lugar ao telefone ao celular. Portado com o mesmo cuidado do velho e bom “Smith” ele confere de vez em quando para ver se a patroa não ligou. O problema sempre é conseguir enxergar o que está no visor, pois mesmo esticando o mais que pode o braço a visão ainda é insuficiente para decifrar números e letras. Entre usar óculos e esticar o braço, o habitante nativo dos pampas ainda opta por tatear no escuro.

Ao viajar a Herval vou em direção às minhas raízes e isto dá um pouco de sentido para a minha vida. Lembro das histórias dos meus antepassados, entre elas as dos meus pais, que se complementam com mais informações sempre que visito amigos e parentes. Ouço relatos, comentários e algumas reclamações dos tempos atuais e também do passado, sobre o que me manifesto com a humildade de um eterno aprendiz.