POBRE MENINO RICO
 
           Todo mundo já ouviu a expressão “pobre menina rica”, que caracteriza a situação daquelas meninas que nasceram em “berço de ouro”, mas, nem por isso, têm uma vida feliz. São aquelas para as quais o grande sonho de toda criança — de ir à Disney alguma vez na vida — não chega a ser um sonho. Algumas delas fazem, não apenas uma, mas várias dessas viagens e, com frequência, sem a companhia dos pais.

            Viajam naquelas excursões caras, promovidas pelos colégios, por cursos de Inglês que frequentam ou por agências de turismo, que organizam essas viagens para crianças e adolescentes. No mais, permanecem a maior parte do tempo em companhia dos empregados da família. Porque a mãe e o pai costumam ter uma agenda repleta de compromissos sociais e/ou profissionais, que não lhes deixa muito espaço para as tarefas da maternidade ou paternidade.

            Mas alguém já ouviu falar em “pobre menino rico”? Certamente, muito menos ou nunca. Mas eles também existem por aí. Cercados de conforto, estudando em bons colégios e assistidos pelos que trabalham no seu circuito doméstico, como o motorista, a governanta, a babá, a copeira e outros que tais.

            A natureza de suas carências afetivas talvez seja um pouco diferente da que acomete as meninas em idênticas circunstâncias. Mas há de ser comum a ambos a sensação de solidão, tenham ou não tenham a consciência disso. E o Ponciano Júnior era um garoto desse tipo, morando numa majestosa mansão, servida por vários empregados, nas Dunas, que é considerada uma área nobre na cidade de Fortaleza.

            A casa da família era uma lindeza, com uma bela piscina, muito bem cuidada e circundada por uma grande varanda. E o menino, na 3ª série do então chamado ensino fundamental, estudava num dos colégios de elite da capital cearense. Levado e trazido, diariamente, pelo motorista da família.

            Aproximando-se, porém, o aniversário do Ponciano Júnior e, talvez, para livrar-se do trabalho de preparar uma festa no colégio, como é tão comum fazerem, os pais do pequeno resolveram tornar a coisa mais fácil. Ou imaginaram que assim estariam fazendo: convidaram a turminha do filho para um almoço, com direito a banho de piscina em sua própria casa.  

            Mandaram entregar os convites aos coleguinhas de classe do moleque, com um recado explícito para as outras mães e pais, sobre o horário da chegada e o horário da saída! Todos entenderam, né? Não deixem os seus chatinhos aqui, depois que o tempo estipulado para a festa terminar! E, assim, a criançada, munida de presentes e roupas de banho, apresentou-se para a comemoração dos 9 anos do Ponciano Júnior.

            Para começo de conversa, o trânsito dos pequenos convidados ficou limitado à parte externa da mansão: à área da piscina e ao varandão, onde mais tarde foi servido o almoço às crianças, cada qual com o seu pratinho na mão. Porque, deixar aquele bando de pivetes transitando por dentro de casa, nem pensar!

            Além disso, a mãe do aniversariante, sequer, deu o ar da presença na comemoração, nem mesmo para cumprimentar os outros pais e mães, quando foram deixar os pequenos convidados à porta. Mandou-se para algum compromisso e deixou tudo por conta dos serviçais — cozinheiras, garçons e governanta — que podiam ter total autoridade sobre o pequeno Ponciano, mas dificilmente conseguiriam (como, de fato, não conseguiram) controlar todos os participantes daquela muvuca.

       Petiscos e o próprio almoço foram servidos em pratinhos e copos de plástico, sem a menor cerimônia com os convidados. Em compensação, a meninada tanto comia pipoca e salgadinhos, quanto pulava na piscina com as mãos engorduradas. Com exceção do próprio aniversariante, que, sendo tímido e gordinho, permaneceu o tempo todo vestindo uma camiseta e sunga de banho, sem se atrever, no entanto, a entrar na água e a participar da algazarra que a turma fazia.

            Só que criança é bicho capeta e não se liga nessas sutilezas. Portanto, a certa altura, um grupo dos moleques, percebendo que o menino não queria se molhar, agarrou o Ponciano Júnior à força, arrancou-lhe a camiseta e o empurrou dentro d’água. E, achando que era pouco, para que ele não a vestisse novamente, atochou a roupa do aniversariante no filtro da piscina, que ninguém mais conseguia retirar de lá.

            Foi justamente na hora em que a dona da casa ia entrando de volta e, informada da situação, esqueceu-se de quem era o homenageado da festa e direcionou a sua irritação para ele, que não tinha nenhuma responsabilidade sobre aquela confusão:
            — Eu disse ao seu pai que isso não ia dar certo! Mas hoje, quando ele chegar, você vai apanhar, Ponciano Júnior!

            Pense numa mulher imbecil e numa mãe fria, como uma pedra de gelo! Se o “pobre menino rico” apanhou ou não apanhou, eu nunca fiquei sabendo. Mas, sempre que penso nessa história, eu torço para que o seu pai tenha sido mais compreensivo e generoso. E que tenha ouvido a versão do filho, antes de castiga-lo, para não cometer uma injustiça.

            Mas o fato é que, muitas vezes, quando se tem a impressão de que uma criança tem quase tudo, na verdade, ela não tem quase nada...


Ilustração: Google Imagens.