hISTORIAS DA VILA - GUERREIROS DO AMENDOIM

HISTORIAS DA VILA

Guerreiros do amendoim

O sol insistia em fazer com o que seus raios atravessassem as frestas do telhado clareando assim todo o quarto, enquanto isto lá na cozinha o pássaro preto em uma tremenda algazarra derrubava a vasilha de água chamando a atenção para que alguém fosse lá remover a sua gaiola para o prego batido no pé de abacate e após isto, começava a cantar, e eu não sei se era de tristeza por estar preso ou de alegria pelo nascimento de um novo dia.

Em um telhado improvisado que se tornara definitivo, um fogão rústico recebia em seu interior as primeiras lenhas, que eram incendiadas para aquecer um velho tacho de alumínio batido onde era depositada uma boa quantidade de amendoim cru, que depois de muitas braçadas, suor e cansaço, já estava pronto para receber a agua com sal finalizando assim o famoso ¨mendoim torrado.

Na mesa da cozinha, as folhas de papel eram recortadas em retângulos de tamanhos iguais, que depois de enrolados em forma de cones eram colados por um grude de farinha. Após o amendoim esfriar era hora de encher os cartuchos e uma das regras era que a pessoa tinha que conversar muito, pois enquanto estava conversando se mastigava menos, comi muito.

Este cenário e comportamento se desenrolavam na vila, precisamente na casa do Sr. Francisco da Lídia que tinha em seus quadros vários vendedores, que era chamados de guerreiros, podemos lembrar-nos de alguns, como o Dito,Valdo,Nino,Dão,Rolando, Dê, Marco, o seu filho Marcio e muitos outros. Além do Sr. Francisco, na vila quem torrava amendoim também era o Sr. Mozart cujas guerreiras eram suas filhas.

Quando a noite estava se aproximando e a tarde relutava em terminar o dia os guerreiros iam chegando e se apoderando das capangas com os cartuchos em seus interiores e debaixo de brincadeiras e risos partiam em direção ao centro comercial de Belo Horizonte. Ali chegando improvisavam em latas de óleo comestíveis, um fogão cuja fornalha era alimentada por madeiras de caixotes de uvas, permitindo o aquecimento dos cartuchos, era quando começavam a anunciar, oia o torradim quentim, oia o torradim quentim, restava só esperar as vendas.

Este ambiente era composto de vários personagens, trabalhadores em regresso às suas casas, estudantes na correria para não perder o horário das aulas, malandros, ladrões, prostitutas, homossexuais em busca de sexo pago e que não dava sossego aos vendedores adolescentes. Ali tudo ia bem ate que uma voz ecoava no ar, olha o fiscal, olha o fiscal, uma correria se instalava, cada um correndo para um lado, procurando salvar a sua mercadoria, pois a apreensão era inevitável e para alguns acabava ali a chance de voltar com algum dinheiro para casa.

Passado estes tumultos a calmaria se instalava e após algumas horas todos se preparava para o retorno se dirigindo ao ponto do ônibus, pois o ultimo passava a meia noite e se perdessem era complicado. Na chegada, a vila estava em silencio e os barracos com suas luzes apagadas e de forma silenciosa era feito a contabilidade e cada um após apurar o seu ganho já tinha um destino para aquele dinheiro, alguns comprava alimentos e outras necessidades já outros multiplicava ou perdia tudo no jogo de baralho. Era hora de ir para casa, pois um novo dia estava nascendo e tudo se repetiria deixando a lição de que o que existe de mais democrático nesta vida é o tempo, pois ele é igual para todo mundo e não para pra ninguém.