Ontem no trem/Dualidade

Embarco no trem lotado às cinco horas da tarde.

O camelô, aquela mula manca do Himalaia, passa com um isopor molhado e bate na minha cabeça... Fuzilei-o com meu olhar e ele disse com ar de deboche: “Desculpa dona eu estou trabalhando”. Eu respondi indignada: Eu não!? Estou turistando no trem ramal Santa Cruz até Campo Grande!

Caramba! Paciência tem limite. Não cabia nem um pé a mais naquele espaço, quanto mais um indivíduo gritando no meu ouvido com aquele isopor enorme, sem um mínimo de cuidado e esbarrando em todo mundo!

Fiz um bico pra lá de metro. Juro que se ele retornasse iria dar um chute na canela dele ou pelo menos tentar... Antes de ir para o hospital toda roxa! É claro!

Enfim, desembarco em minha estação. Ao avistar as escadas próximas a saída, vejo que todos passavam e olhavam para uma jovem deitada no chão. Pensei: Aí tem! Geralmente esses moradores de rua são seres invisíveis para sociedade, fazendo parte apenas da triste paisagem da nossa cidade maravilhosa.

Quando chegou a minha vez olhei, como todo mundo que passava. Deparei-me com uma cena deplorável... O meu coração doeu tanto que agi por impulso. A jovem, nitidamente drogada e moradora de rua, estava enrolada em um cobertor. Tinha o seio esquerdo totalmente exposto e todos olhavam aquele quadro lastimável como se fosse um espetáculo. Ao deparar com aquilo minha alma doeu, doeu tanto que me abaixei e por impulso puxei seu cobertor e cobri seus seios.

A jovem acorda assustada. Meu coração disparou, o medo me invadiu pois não sabia a sua reação. Ela olhou para mim atordoada, dei um afago nela e fui embora.

Meu Deus! Senti como se fosse a minha filha ou minha irmã, exposta daquela forma. Totalmente vulnerável! Vítima de todos os tipos de olhares e discriminação.

Não! Não poderia ficar indiferente e seguir simplesmente meu caminho...

Foi quando me dei conta que tinha me esquecido do folgado camelô. Como assim?! Pensei... Em uma hora eu queria bater no camelô e na outra corria o risco de apanhar por fazer o bem!?

Como fui capaz de atitudes tão antagônicas? A dualidade do ser humano, a polaridade, a luz e a sombra, o bem e o mal, o amar e o odiar, o querer e o rejeitar...

Entre os indígenas americanos Cherokee, existe uma metáfora que exemplifica muito bem esta dualidade. Segundo esse povo, existem dentro de nós dois lobos em constante disputa, um deles é bom, o outro é mau, entre eles, se torna mais forte aquele que mais alimentarmos.

Eu comecei o dia alimentando o lobo do mal. Mas graças a Deus terminei o dia dando o dobro de alimento ao lobo do bem!

Amo vocês! Lembre-se que não há mal que dure para sempre.

Glória Alice
Enviado por Glória Alice em 29/05/2020
Reeditado em 04/06/2020
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