Sombra e água fresca

É com grande espanto que paro para observar o quanto a vida é transitória. A impressão que tenho é que em nossas mentes o conceito tempo não existe. Por que digo isso? Pelo fato que quando olhamos para o nosso passado, é como se aquele evento tivesse acontecido ontem, tamanha é a clareza em nosso intelecto. O mundo está em constante evolução, e como estamos inseridos dento desse contexto, até as nossas prioridades são alteradas. Aquilo que ontem era essencial para mim, talvez hoje deixa de ser.
Ontem mesmo, bebezinho eu ficava me arrastando pelo chão liso, era um comedor de titica nato. Lembro como se fosse hoje, morávamos lá em Vereda. E o aperto que passei para comer uma bisnaga de pão, caso contrário, a correia iria comer solta. Também eram nítidas as lembranças do rio. Aquela mulherada, sentada nas pedras, batendo suas roupas. Achava incrível, quando chegava o ocaso, elas carregavam suas trouxas de roupas, sem usar uma mão sequer, apenas equilibrando na cabeça. E eu ficava indagando dentro de mim, como elas conseguem essa proeza. Naquela época a minha prioridade era apenas o conhecimento. A minha mente estava intacta, sua sede era a sapiência, porque muitas eram as indagações dentro do meu ser.
Na época do meu primeiro ano de escola. Já não morávamos mais em Vereda-Bahia. Agora o nosso cenário, era a cidade de Coronel Fabriciano-MG. Nessa época a minha oração era para que Deus abençoasse meus pais e que me abençoasse na escola. No meu coração, só vinha um foco: trabalhar, ganhar muito dinheiro para ajudar meus pais. Essa era a minha prioridade naquele momento, não obstante, ganhar muito dinheiro só ficou na vontade, rs. A minha família passava muita dificuldade. Lembro que logo quando mudamos para Minas, morávamos num porão. Era só chover, e as paredes do porão, ficavam todas encharcadas, com muito mofo. Um belo dia, uma Hemidactylus mabouia caiu no colo da minha mãe, ela gritou muito, rs. Não precisa espantar gente, esse é o nome científico da Taruíra, aquela lagartixinha que fica andando dentro das nossas casas. Não sei se era nesse porão, ou em outro lugar, que existia apenas um banheiro do lado de fora, e mesmo assim, era usado por cinco famílias, tinha fila para tomar banho.
Novamente as prioridades são alteradas, quando entramos na fase da adolescência até os quarenta anos. Nessa fase, sentimos necessidade de status, queremos causar impressão. Lembro que na minha adolescência, eu gostava de ficar só de short, sem camisa, ostentando um cordão de ouro. Logo em seguida veio a maturidade e o casamento. Novamente o meu foco era a ostentação, casas grandes bem construídas, carro 0 km, roupas novas.
Nessa fase somos mais aventureiros, transbordando vitalidade e energia, impetuosidade aflorava na pele. Tive oportunidade de construir duas casas lindas e comprei três carros novos.
Como não deve ser surpresa, hoje em dia as minhas prioridades, também são diferentes. Parei de ficar zanzando por esse Brasil, agora me aquietei. Não almejo mais nenhum empreendimento vultoso, e muito menos, tenho a necessidade de impressionar alguém. Minha residência hoje, parece mais como uma casa de fazenda, avarandada, tudo muito simples. Confesso que precisa de uma recauchutada, se Deus der bom tempo, providenciaremos. No entanto, não a troco por nada, porque grande é a paz que sinto.
Em suma meus queridos, é isso aí. Hoje sou um cinquentão, com a terceira idade escancarando as portas, quero mais sombra e água fresca e se aprouver ao Pai, ter misericórdia de mim, quem sabe chego lá no Paraíso. Acontecendo isso, terei vencido o grande paradoxo da vida, porque quanto mais eu vivo, mais aproximo da morte.
 
 

 
Simplesmente Gilson
Enviado por Simplesmente Gilson em 02/06/2020
Reeditado em 02/06/2020
Código do texto: T6965058
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.