Recordações Sobre o Fim do Mundo.

Quando tinha nove anos fiquei sabendo não sei aonde que o mundo iria acabar na próxima quarta feira. Era sábado de sol. Diziam que uma tempestade devastaria o Planeta. Isso era muito comum nos anos 80. Passei o dia atormentado.

O domingo foi fúnebre, mesmo meus pais não falando nada e nem demonstrando temor, eu ou me fechava no quarto ou ia andar de bicicleta, porém sempre de olho no céu. De lá, talvez, viriam pedras, chuvas, ventos e meteoritos.

A segunda feira veio e o sol de maio continuava forte. As pessoas na avenida, lotando As Casas Pernambucanas, a padaria em frente ao cinema, com um cartaz do filme Conan, O Bárbaro, com Arnold Schwarzenegger, o Hotel São Paulo cheio de itinerantes pitando na porta, o Banco do Brasil lotado, ou seja, a vida transcorria normalmente, sem nenhum sinal de alarde ou manifestações de desespero.

A terça feira brotou e logo pensei se tratar nosso penúltimo dia vivos. Ficava pensando na dor que foi levar meio tijolo na cabeça lançado por meu irmão quando eu tinha quatro anos de idade, no choro, no sangue escorrendo e se misturando às lágrimas. Tudo aquilo me fazia chorar um pouco de novo, pensando na dor de um meteorito caído na cabeça. Na dor de ver todo mundo correndo e qual seria a reação dos país.

A quarta feira finalmente chegou para meu desespero geral. O dia amanheceu ensolarado. Fui à escola, levei minha maçã e desta vez não deixei o Rone subtrai-la.Tentei lhe dar um soco, mas ele se esquivou, porém nunca mais ameaçou roubar minha maçã, comi a sopa de fubá no recreio, joguei futebol com pedra na quadra (nos anos 80 a escola onde estudei só fornecia bola e outros materiais esportivos apenas nas aulas de educação física. Por isso jogávamos futebol com pedra no intervalo das aulas e voltávamos todos melados e com as canelas roxas para a sala de aula), e voltei para a aula, mas sem antes comprar cinco balas de mascar que era o que meu dinheiro dava e que eu comia escondido debaixo da carteira para que ninguém avançasse (as crianças da época não eram tão sensíveis como as de hoje. Nem bullying existia). Naquele dia não consegui prestar atenção à aula de geografia. Por mais que dona Ivone bem explicasse, minha cabeça voava pra fora da janela, numa nuvemzinha negra que se formava lá pelos lados da algodoeira. Seria o fim?

Depois do almoço, como era de praxe, peguei minha bola, calcei meu kichute puido, liguei para o Renatinho, o Batatinha e o Mário César e fomos para a quadra da cadeia. Sol de estalar mamona! Nisso, como sempre, foi chegando mais molecada. O sol foi desaparecendo atrás das nuvens, mas naquela época a única coisa que me deixava fora de mim e do mundo era o futebol. Até que lá pelas cinco da tarde fechou tudo. O tempo enegreceu! A chuva veio em pancadas. Saímos correndo cada um para sua casa. Cheguei encharcado e pálido como um cadáver. Minha mãe em seus afazeres só disse para ir tomar banho rápido e que o mundo não iria acabar hoje não!

Foi a partir dali que percebi que não é o mundo que acaba, e sim as pessoas. E não existe pior forma de se acabar do que perdendo a esperança.

Naquele noite dormi feito um anjo.

Savok Onaitsirk _________________

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 02/06/2020
Reeditado em 02/06/2020
Código do texto: T6965144
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