Eu e a poesia 2

Quando desenvolvemos pela prosa uma espécie de louvor - um quase amor, mas que causa dependência quase obsessiva, pode acontecer (veja bem, PODE acontecer), de deixarmos de lado a inefável beleza da poesia, dos versos poéticos.

Falo por experiência própria. Não que não tenha tentado. Quando, aos 17 ou 18 anos, lia os primeiros contos e romances que me contaminariam com as letras, de Wilde, Goethe, Steinbeck e Balzac, entre outros, travava contato ao mesmo tempo com poetas como Blake e Rimbaud. Mas mesmo se tratando de dois gênios incomensuráveis, ainda preferia (e prefiro) a obra em prosa poética destes dois. Só alguns anos mais tarde eu pude perceber que o problema era com as traduções, vis redutoras da beleza dos versos estrangeiros. Ainda conservo esta idéia, e espero um dia poder ler os grandes autores em seus idiomas originais.

Chego então, naturalmente, através de Augusto dos Anjos, à poesia brasileira, que vem redimir este gênero da má impressão dos primeiros anos de minha experiência literária. Decorei o primeiro soneto, Eterna mágoa, e a este se sucederam alguns outros poemas do Augusto. Citando apenas os preferidos, pois nem tudo é maravilha, passei por Vinicius de Moraes - de quem até então só prestava atenção nas letras bossanovistas, Guilherme de Almeida, do belíssimo O ciúme, e descubro agora o matogrossense Manoel de Barros, meu mais novo vício. Se ainda não leu, leia-o, a começar por estas três passagens que pincei para postar aqui. E vicie-se também:

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a

imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta que o

rio faz por trás de sua casa se chama enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que

fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

----/----

Ele era um andarilho.

Ele tinha um olhar cheio de sol

De águas

De árvores

De aves.

Ao passar pela Aldeia

Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.

O silêncio honrava a sua vida.

----/----

A poesia está guardada nas palavras -- é tudo que

eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as

insignificâncias (do mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado e chorei.

Sou fraco para elogios.

Andrei Andrade
Enviado por Andrei Andrade em 16/10/2007
Código do texto: T696569