Escrever pra que?

Acordo cedo para escrever. Comecei em 1999, depois do falecimento do tio Carlos, e nunca mais parei. Encontrei uns escritos dele e fiquei fascinado. Acho que já escrevi mais do que vivi. Algumas 3 mil páginas, por aí também, dentro de algum baú. A maioria publicada em blogs e 6 livros.

No início escrevia em agendas e cadernos. Estão por aí. Escrevia para suportar a vida na cidade grande. Suas loucuras, suas multidões enfurecidas e sua frieza. Sempre nas horas vagas e em qualquer lugar, ônibus, metrôs, bibliotecas, bares, banheiros e até em paredes. Havia me transformado num louco escritor compulsivo. Escrevia e lia feito um delirante, como aquela planta do poeta que furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Não tinha filmadoras e nem gravadores, assim ia guardando tudo na palavra escrita, dentro da maleta que carregava pelos quatro cantos de São Paulo. O porquê não sei. Talvez para não enlouquecer, como escreveu Chinnaski, talvez para não deixar o tempo se escoar como areia entre os dedos, mesmo sabendo se tratar de uma quase inutilidade ou mesmo para treinar minha caligrafia. Muitas vezes preferia a caneta e o papel do que um grupo de facínoras que regurgitavam sobre a vida alheia com um gosto de quem saboreia o néctar dos deuses e babando pelos cantos da boca. Não me é interessante falar ou trocar ideia sobre a vida alheia. Soa-me fastidioso e cansativo. Quando acontece, prefiro baixar a cabeça e fingir que estou escrevendo ou tentar mudar o tema rapidamente com uma tirada muitas das vezes sem graça. Ou, o que é mais eficaz, sentir o vento, o tempo ou o tempo e o vento de Érico Verissimo.

A partir de então escrever, assim como correr, viraram minhas "rezas", minhas crenças, minhas formas de orações ao Divino como maneira de agradecimento pela vida. Sempre pensava assim: se está com algum problema, se está enrascado, vá lá escrever alguma coisa que passa! Ou corra!

Dentre todas as expressões artísticas, talvez a escrita seja a mais rica pela exposição clara e profunda dos sentimentos do artista. Não que eu seja um. No caso de minhas singelas palavras as uso apenas como dito alhures, apenas para descontrair. Como disse o bandido, são cinco horas da manhã e eu poderia estar por aí roubando galinhas ou velhinhas em pânico, mas estou aqui no meu quarto escrevendo estas besteiras. Como disse o burocrata, poderia estar por aí manipulando o aumento de minhas ações na bolsa de valores de Cachoeira do Itapemirim, mas estou aqui debruçado sobre este tampo de mesa escrevendo palavras que saem sem que eu as pense. E, por fim, como diria dona Zileide da Baixada do Glicério, poderia estar por aí varrendo qualquer calçada ou quintal e no entanto estou aqui copiando esta receita de bolo para fazer no aniversário de 10 anos da neta Caterine, que passa batom para ir ao baile funk.

"Vou-me embora para Pasárgada.

Savok Onaitsirk____________________

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 03/06/2020
Reeditado em 03/06/2020
Código do texto: T6966185
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