MATO GROSSO: A MALÁRIA DIZ PRESENTE

MATO GROSSO: A MALÁRIA DIZ PRESENTE

Obra no norte do Mato Grosso, distante mil quilômetros de Cuiabá, em meio a Floresta Amazônica. Usina Hidrelétrica do Salto do Rio Apiacás. A cidade mais próxima, Alta Floresta, a 140 km percorridos em quatro horas de viagem numa estrada de terra. Eu era gerente de quatro obras semelhantes a essa em 1982. A empresa que eu trabalhava assinara um contrato para execução da Usina Hidrelétrica de Salto Apiacás, e a primeira fase dos trabalhos tinha como objeto a construção da Vila de Operadores. Após a entrada em operação de uma instalação hidrelétrica, UHE (Usina Hidrelétrica) ou PCH (Pequena Central Hidrelétrica), permanece uma equipe responsável pelo funcionamento das instalações de geração e controle da energia elétrica. Para isso é necessário a construção de residências e instalações de apoio de crença, lazer e saúde. Em nosso caso, a Vila de Operadores era de pequeno porte, composta de cinco casas de três quartos, dez casas de dois quartos, hotel, ambulatório, templo ecumênico, clube, escritório, quadras poliesportivas, urbanização, pavimentação e redes elétricas ,água, esgoto e demais instalações de modo a atender os gerentes e operadores, que se tornam moradores do local.

A logística de obras situadas em regiões pouco habitadas é bastante complexa. O Canteiro de serviços deve ser o mais autônomo possível, de modo a depender o mínimo dos recursos externos. Deve ter alojamentos para todos os funcionários, refeitórios, instalações de lazer, segurança do trabalho e patrimonial, radiocomunicação, transporte, casas para funcionários casados, casas para engenheiros e técnicos, captação e filtragem de água, tratamento primário de esgoto, oficinas de manutenção, etc. Tudo isso sem citar os recursos para execução dos trabalhos: equipamentos de terraplanagem e desmonte de rochas, instalações de pedreira e jazidas, centrais de carpintaria, armação, confecção de embutidos metálicos, usina de concreto, laboratórios de controle tecnológico, topografia, e uma infinidade de ferramentas e utensílios para limpeza, injeção de cimento, tratamento de fundação e outros serviços. Sem contar que previamente são feitos estudos hidrológicos, análise dos solos e rochas do local, resistividade e impedância do solo para dimensionar o aterramento e outras informações técnicas que orientarão os projetos. Pronto para iniciar os trabalhos e contando com a presença do engenheiro Luís Roberto Menin na obra, cheguei à obra após quatro horas e meia de voo em avião monomotor. Luís Roberto havia chegado com o pessoal que executaria as edificações do canteiro de obras em madeira por se tratar de construções provisórias. Dormiam em redes, nas barracas improvisadas com lona preta amarrada no caminhão. Havia um pequeno barracão de madeira do pessoal da sondagem e nós nos acomodamos lá. Demos início aos trabalhos de construção do canteiro de obras, voltei a Cuiabá, falando diariamente com a obra. Mobilizamos nas primeiras semanas cento e quarenta colaboradores, para dar início aos trabalhos. Através do rádio, que era a única maneira de falar com a obra, Luís Roberto me informa que devido a malária, endêmica na região, permaneciam na obra vinte e cinco funcionários, os demais estavam internados no hospital em Alta Floresta. Em uma semana, cento e quinze casos de malária surgiram e havia alguns em estado grave. Consultei diversos especialistas no assunto para definir um sistema de prevenção. Até hoje não existe vacina para este mal que aflige boa parte do mundo. Para se ter ideia da gravidade do assunto, em 2019 a malária contaminou duzentos e vinte e oito milhões de pessoas e causou a morte de quatrocentos e cinco mil. Nos anos anteriores esses números são maiores. Após consultar os médicos e farmacêuticos definimos que o ideal seria utilizar um produto denominado Malatol, aplicado por aspergidores manuais. A aplicação por aviões poderia causar mortes de animais naturais de Floresta Amazônica. E, após comprar vários equipamentos motorizados, que o operador leva às costas, adotamos aplicar duas aspersões diárias de Malatol, uma de manhã e outra à tarde, o que possibilitou a construção do Canteiro de Obras e Vila dos Operadores. Para dar uma avaliação das quantidades dos trabalhos, a Vila dos Operadores tinha dois mil e quinhentos metros quadrados de construção em alvenaria, redes públicas e quadras poliesportivas. O Canteiro de Obras cinco mil e duzentos metros quadrados de edificações em madeira. Ocorreram inúmeras pessoas infectadas durante os trabalhos, mas em número muito menores. Até o Luís Roberto teve malária e ficou quarenta dias se tratando, afastado do serviço. Consultando os mateiros da região, adotei como procedimento incluir quatro ou cinco dentes de alho nas refeições. Não sei se funcionou, mas passei sem essa amarga experiência nos cinco anos que trabalhei em Mato Grosso. O tratamento da malária é feito com cloroquina e qualquer mateiro da Amazônia sabe disso. Pega malária, corre a farmácia e toma cloroquina. Se cloroquina matasse, a população da Amazônia seria muito menor. Conheci pessoas que foram infectadas quarenta vezes, pois a malária não imuniza a pessoa. É só ser picado pelo mosquito anofelino e contrai novamente. Há muitas estórias a contar sobre minhas experiências com a malária nessa época. Ficam para outras ocasiões.

Paulo Miorim 08/06/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 08/06/2020
Reeditado em 26/09/2021
Código do texto: T6971349
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