Junho

As ruas de fruteiras repletas de pontinhos amarelos. Mexeriqueiras e laranjeiras com galhos tortos de tanto peso, parecendo pedir que algum vivente sugasse seus frutos. Uma feira natural! O pomar inteiro parecia anunciar: “Olha a laranja! Olha a mexerica poncã!”. Mas tudo silenciosamente. Silêncio que sempre evitarei preencher.

Eu preferia as manhãs. Minha roupa de abrigo azul e listras brancas, que Mãe ganhou da cunhada que tinha loja na cidade. Com ele me sentia aumentado. Passava horas transitando naquele pomar, brincando de filme japonês que via na TV, correndo atrás dos frangos, espantando passarinhos para vê-los voar.

São mais de 10 horas. Ouço barulho de louça sendo lavada. Mãe já deve ter acabado o almoço e daqui a pouco vai me chamar. Mas calma, Mãe! Deixa-me dizer uma coisa antes: o gosto da mexerica vai ficar na minha referência estética para sempre. Também o cheiro. Eu sempre os terei como parâmetro do que é a beleza.

Que dia é hoje? Sexta! Nossa, fim de semana é Santo Antonio. Festa na Igreja. Preciso limpar minha botinha que Pai comprou na loja da Cooperativa. Ela tem cheiro de couro e assovia quando escorrego no piso amarelão da varanda. Será que ela vai estar lá? Desde que fomos “Maria e José” na novena de Natal fico com vergonha de encontrá-la. Mas a outra é tão bonita também... E pode ser que esteja. Não! Esta só vai entrar em minha vida daqui a sete ou oito anos. Mas por que lembrá-la como se ela já estivesse?

Os pensamentos se embaralham. É a fome. Bom que não tem escola. Segunda-feira o pessoal vem buscar laranja pra vender na Nova Barra. Farão montinhos. Depois contarão de cinco em cinco. Eu vou acompanhar. vai me dar certo aperto no coração porque feirantes tratam frutas como números e eu sofrerei ao ver cada uma sendo jogada de qualquer jeito na carroça.

Para mim, elas são vivas. São minhas amigas. Converso com elas. É verdade! Juro por Deus! Ainda ontem uma me disse: “Ei Zé! Só mais eu”. E eu: “Já estou cheio. Mãe vai brigar comigo”. Ela – não sem certa sensualidade: “Mas olha como estou grande e amarela, com curvas definidas”. Eu: “Será?!” Ela – já em seus últimos gomos que devoro com avidez: “Não disse!? Guarde isso Zé! É assim que você deverá sorver a vida. Como um gomo saboroso de mexerica”.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 11/06/2020
Reeditado em 18/01/2023
Código do texto: T6974190
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