TIA IRACEMA
 



 

Vinda de Ponta Grossa PR, chegava uma cartinha:

“Querida Nina !
Com muita saudade de todos daí, lanço mão à pena para dar minhas notícias...”
Os assuntos iam ganhando muitas linhas e geralmente acabavam com o famoso:
“Mataremos a saudade em forte abraço no dia tal, quando, Elzi e eu, estaremos pisando este chão, desembarcando do trem que chega por volta das 15:00 horas em Irati.
Se o José estiver disponível, adoraríamos que nos esperasse com a carroça.Porém, se não o observarmos pelas redondezas, tomaremos um automóvel de aluguél”.
Pensem no burburinho que estas notícias provocavam.
Minhas tias e minha mãe, desciam para o centro e nas Pernambucanas escolhiam a dedo os cortes de tecidos que apresentariam á mana Elzi, costureira famosa.
É claro que a tia vinda de Ponta Grossa, armava um guajú com as demais,reclamando que era apenas uma visitante e a “costureira” não passava de um espírito que ela encarnava apenas em sua cidade.
Bem “cevadinha” pela lábia das  manas, ela cedia e incorporava a costureira que havia deixado . Então , de posse da máquina de costura (de mesa) de vó Izaura, confeccionava uns panos novos pra jacuzada iratiense.
Era um festival de golas , recortes, decotes...Tudo dentro dos melhores estilos da  moda daqueles anos 50.
Não satisfeita, fazia uma "intera" entre as xaropes clientes e rumava  à cidade para comprar aviamentos  que fariam o embelezamento das peças.
Essa era a tia Elzi. Gorduchina à época, muito vaidosa e bonita.Jamais saía para os seus bordejos sem antes uns toques de “Heure Blue” de Guerlain, com o que fora presenteada por uma aristocrática prima  que o adquiriu  numa de suas viagens internacionais.
Já a outra...Aquela que escrevia as cartas, era Iracema - irmã de vó Izaura - à quem costumávamos chamar de Tia Iracema.
Meiga, delicada, tinha uma suavidade intensa no falar.Suas observações à cerca de pequenas coisas eram tão sutis que pareciam vir embrulhadas em papel celofane.
Trazia uma das malas sempre recheada de presentes. Nenhum de nós ficávamos sem um agradinho e às minhas tias e dona Hilda minha mãe, trazia requintados Kits de cremes,sabonetes e colonias de Lavanda Alpina.
Aquela amável figura representava para o nosso pequeno mundo de interioranos, a imagem de uma fada (ainda que sua silhueta, bem cheínha, em nada contribuísse com a figura sempre esbelta das fadas saídas das páginas de livros).
Porém era aquela à quem se esperava com ansiedade e sentia-se uma saudade antecipada ao cogitar-se a sua partida.
No começo da noite de hoje, no buzão com que atravesso a minha cidade ( não gosto de dirigir e como não pago passagem, sou um Maria gasolina na linha de ônibus) naquele silêncio do banco que ocupava, a memória olfativa trouxe-me com nitidez aquelas saudosas figuras pontagrossenses.
O “Heure Blue” de tia Elzi e sua elegância, embarcando na Kombi que fazia a linha em nosso bairro.
Sapatos de salto alto,  bolsa a tiracolo,os cabelos bem ajeitados, aquele aroma marcante,  a voz empostada dirigida ao motorista:
-Deixe-me no “Sabat”, por gentileza !
Os passageiros entreolhando-se e eu, de calças curtas engalfinhado num cantinho da condução ,fazendo companhia a titia.
Enquanto isso, na casa de vovó, as lavandas de tia Iracema incensavam a sala com móveis escuros.

Na cozinha o frango com manjerona enguiçava o vira latas de estimação.
Risos e alegrias davam o tom à graça de receber a recém chegada.
Num dos cantos da sala, um espelho enorme engolia aquela massa familiar e do outro canto refletia o olhar sereno de Nossa Senhora da Piedade,num dos quadros preferidos de vovó.
Tudo  lá !...Naqueles idos dos anos 50.
Alguns minutos a mais e sou devolvido no ponto bem proximo de onde moro.
Atrás da máscara que me protege da pandemia, escondido  carrego oesboço de um sorriso.

Um sorriso relembrando aquelas ternuras tão antigas.