Apenas mais uma doença, mais um vírus?

Talvez não seja tão óbvio assim, Meu Jovem. Pois, apesar de ser uma doença entre tantas outras, ela não pode ser classificada como “apenas mais uma doença”, justamente por esses dois motivos que você se referiu: “por estar matando muita gente”, e por, felizmente, ou infelizmente – já que não desejamos a morte de ninguém, ou ao menos não das pessoas do bem – esse vírus realmente não escolher cor, orientação sexual ou classe social. E se digo felizmente, é porque se ele escolhesse classe ou cor, nós aqui da periferia estaríamos...

Por se diferenciar de algumas outras doenças, digamos, “menos democráticas”, e por não ser uma epidemia que mata em número constante, como no caso da Tuberculose, e sim em número crescente, passando de pessoa para pessoa, muitas vezes sem manifestar qualquer sintoma, esse Corona vírus vai muito além da “dureza e frieza da realidade”, ou pelo menos da frieza da realidade que estávamos “acostumados”.

Contudo, sei que a sua intenção não foi minimizar a gravidade dessa doença, os estragos de que ela é capaz, talvez só tenha se expressado mal realmente, escolhido um tom, uma frase controversa para introduzir a ideia que queria passar. Aliás, os parágrafos seguintes do seu texto explicam melhor o que quis dizer. Você até coloca “simples” entre aspas, lá no penúltimo parágrafo, se referindo ao Vírus.

Ou seja, se eu entendi bem, concordo com você, também não acho que isso seja uma expiação que irá ajudar a humanidade evoluir, se redimir, não ao ponto de haver uma mudança significativa no sistema para bem geral. Muito menos que Jesus está voltando. Assim como também não acredito que o Capital irá cair.

Agora, quanto a galera ambientalista, ou biólogos como o Atila Iamarino, que em podcast de 2016, “já previa um surto que poderia parar o mundo, uma gripe letal” (Nerdcast. A beira da extinção), eu confio mais. O próprio Youval Harari cita essa possibilidade no Sapiens. Ou seja, muitos cientistas, estudiosos e pessoas bem intencionadas já estavam cientes da possibilidade de um vírus terrível como esse, só não foram levados a sério pelos Governos. Vide, por exemplo, o caso do médico chinês que foi o primeiro a alertar o Coronavírus e morreu desacreditado. Outro que também alertou possíveis pandemias foi o Bill Gates.

Sendo assim, nesse caso, não se trata de “algo que está além da nossa compreensão”. Mas claro que, se pensarmos na complexidade da nossa existência, a questão do suicídio do Camus faz muito mais sentido (apesar de ele ter chego à conclusão que o suicídio seria uma ilusão de liberdade). Por isso a importância de se encontrar um Sentido, como dizia o Frankl na Logoterapia.

Ademais, muita hora nessa calma, o seu existencialismo e ceticismo talvez esteja indo longe demais nesse caso...

Fora isso, como disse o Gullar, numa frase que você gosta muito, “A arte existe porque a vida não basta”, ou, em outras palavras, “cria-se uma outra realidade”, “todo um mundo de fantasia”, não só para nos proteger do inevitável, mas também para nos dar um melhor sentido na existência. E de fato, isso não é errado ou certo. É apenas mais uma das características criativa de nós, Homo sapiens. Ou seja, como você disse, é realmente fantástico.

“Religiões, ideologias e filosofias não nos ajudaram de fato, funcionaram como um placebo ou um bálsamo metafísico que irá curar essa dor.”

Eu entendo o que você quer dizer, e concordo até certo ponto. Religiões, ideologias e filosofias realmente foram criadas ao longo da história para explicar, justificar supersticiosamente ou filosoficamente, alguns fenômenos dolorosos da realidade dura e fria (muitos deles a ciência moderna já consegue esclarecer), a qual você fala no começo do seu texto.

Enfim, por outro lado, qual seria a solução, voltarmos ao Estado selvagem, ao Estado natural do ser humano, então? O Freud por exemplo, via a sociedade, toda essa criatividade humana (apesar de ele achar que teríamos ido longe demais na repressão de certos instintos primitivos), necessária para conter algo, digamos, ainda mais brutal na nossa espécie. De forma parecida pensou Hobbes no Leviatã, porém, na base do autoritarismo de um soberano...

Tiago Torress
Enviado por Tiago Torress em 17/06/2020
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