A Casa da Rua Cristovan Colombo

A saudade das crônicas do Papai, e como há vários dias tenho chamado à minha memória os tempos de criança, conduziram-me a escrever um pouco sobre:

A Casa da Rua Cristóvão Colombo

Uma das fases mais marcantes foi do tempo que morando em Jaú, íamos quase todo final de semana para a casa do vovô Teodoro e a vovó Luiza em Araraquara.

Estes finais de semanas eu acredito terem sido os mais felizes da minha vida.

Na época, anos 1960 e poucos, o Papai tinha uma Kombi branca ano 1962, que anos depois seria vendida ao nosso vizinho de tantos anos, o Professor Germano.

O final de semana tinha o seu início na viagem. Era uma festa. A Lígia, Sílvia eu e o João Marcos,

(a Tere e a Eca viriam bem mais tarde), vínhamos cantando durante todo o trajeto. O côro cantava a alegria de estar indo para a casa do Vovô. Nestes tempos foi muito marcante para todos nós foi a casa da Rua Cristóvão Colombo, lugar mágico e único onde eram vividos os momentos de pura felicidade.

Poucas horas depois da nossa chegada, chegava o bando do Tio Aristeu e o bando da Tia Maria Helena. Daí a festa estava completa.

Um dia destes tentei reconstruir na minha memória cada cômodo e os detalhes importantes desta casa, a começar da calçada feita em ladrilho de cimento com pequenos sulcos na horizontal e vertical, padrão da Araraquara da época. Quando assentados, os sulcos da calçada transformavam-se em excelente pista para rolar as bolinhas de gude (meu esporte preferido nesta época).

As grades e o portão de entrada eram de ferro treliçados e assentados em mureta baixa, larga e em arcos, onde muitas vezes era ali que sentávamos para ver o movimento de pedestres na rua, que não eram muitos. Era uma rua bem tranqüila.

Com um passo adentro, já se viam os canteiros de roseiras da Vovó, dos dois lados da rua central. Esta rua ia dar na varanda da casa, também construída em mureta baixa e também em arcos. Lembro que usávamos o espaço entre a varanda e o muro da lateral direita da casa como fumódromo da criançada que dava as suas pitadinhas, convenientemente escondidos atrás da mureta. Desta varanda podia-se visualizar uma das atrações mais importantes do final de semana: a fábrica de bolachas do Pazzeto.

Todos sabiam que em um determinado momento a Vovó Luiza iria pedir para irmos buscar bolacha na fábrica. Era um momento de delírio. Dá para sentir aquele cheiro delicioso das bolachas rolando pela esteira e vindo cair no saco que iríamos levar para a vovó.

Ainda com relação às pitadinhas da molecada, as visitas do primo Atanásio eram aguardadas com ansiedade pelos pequenos fumantes, pois costumava lançar bitucas generosas pelo jardim da casa. Entrando pela porta da frente em madeira maciça, entrava-se para a sala que hoje talvez não fosse tão grande como eu a percebia na época.

Normalmente, nas épocas natalinas, o canto direito da sala era utilizado para montar uma grande árvore de natal, recheada de enfeites de todos os tipos, tendo aos seus pés logicamente, um amontoado com presentes para todos. Qual não era a nossa expectativa!

Ao entrar na sala do lado esquerdo, era o quarto da Tia Nega. Um lugar verdadeiramente especial.

Sentávamos nas camas para ouvi-la ao violão, era também onde tínhamos um prato cheio de coisas para mexer, contendo toda sorte de caixas e frasqueiras de todos os tamanhos para se treler, discretamente é claro, e por falar em treler, eu era o campeão de levar pitos principalmente da Tia Maria Helena que me apelidou de “Mão-de-Gancho”. E eu era mesmo.

Caminhando até o final da sala, passava-se para um hall de onde saiam o banheiro (mais à direita) e mais dois quantos, além da sala de jantar, local mais freqüentado da casa.

Lembro-me das refeições de domingo quase sempre uma deliciosa macarronada com frango e da tradicional disputa pelo pedaço que tinha o osso jogador.

Alguns objetos eram marcantes nesta parte da casa, um era o relógio de parede que até hoje ainda pode-se ouvir badalar na casa da Tia Maria Helena e outro era o barulho de gotejamento do grande pote de pedra, peça de inigualável beleza que era envolto externamente por uma armação e um cilindro de metal amarelo.

Mais à frente vinha a cozinha e à sua esquerda, dava para uma porta que saía para fora da casa e acessava o pomar.

Ao fundo da cozinha vinha o famoso “Pulgueiro” do Vovô Teodoro, onde após o almoço era seu hábito tirar um cortinho. Eu quase sempre o acompanhava.

Neste cômodo, além da sua cama havia um divã, acredito que revestido de curvin em tom vermelho, onde eu ficava. Lá, sempre havia também uma boa leitura na estante, ah... Que saudades do vô Dorinho!!.

Saindo para o quintal da casa, havia inúmeras e deliciosas atrações a começar à direita. Na parede atrás da casa, tinha um grande pé de fruta – do – conde, que corria pelo telhado da casa. Dava tantas frutas que se perdiam no chão, sem dar tempo para comê-las.

À esquerda havia uma grande mangueira, de manga espada, que tinha como principal característica o tronco retorcido, formando uma espécie de banco sempre disputado pela criançada. A última imagem que tenho desta mangueira, lembro-me em ver a Maria Izabel e Maria Inês empoleiradas neste banco.

Seguindo mais à frente pelo pomar à direita, tinha um grande conjunto de árvores frutíferas, todas muito visitadas por todos nós.

Jabuticabeiras, goiabeiras, pessegueiros, esta última, cuidada com muito esmero pela vovó, que tinha a paciência de proteger cada fruto com um saquinho de papel.

Enfim, este era o cenário que nos proporcionava tantos momentos felizes que trouxemos na memória por todas as nossas vidas.

Porém, era impossível evitar a chegada da hora de voltarmos para Jaú, e aquilo que foi a alegria da vinda transformava-se na profunda tristeza da volta.

A choradeira durava por todo o tempo da viagem.

Muitos anos depois eu tive duas oportunidades de voltar a Araraquara e nas duas não consegui resistir à curiosidade de passar pela Rua Cristóvão Colombo e ver a casa novamente. Tive a impressão que todas as casas vizinhas foram totalmente reformadas, tanto que não conseguia nem identificar qual delas que tomou o lugar da casa do vovô.

A fábrica de bolachas do Pazetto não existe mais, e dela não sobrou nem o prédio.

Foi duro ver que aquele cenário dos velhos tempos foi totalmente descaracterizado, e que a casa do vovô ficará somente na nossa lembrança e nos nossos corações.

Tenho certeza que o Papai iria ficar muito feliz em dividir comigo estas tão gratas lembranças e a ele eu dedico estas linhas.

Com muitas saudades do papai,

Luiz Antônio – Em: “Minhas Memórias”

luiz peixoto
Enviado por luiz peixoto em 10/11/2005
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