Ontem no Trem - DANILO

Troquei meu horário do trabalho por isso peguei o trem tranquilo. Em pé mais normal, dava até para se mexer.

Pois bem, fiquei em frente à um menino que pediu para segurar minha bolsa.Então pude prestar atenção: Ele era gordinho, moreno, baixinho e cheio de cicatrizes. Usava uma roupa bastante suja e tinha um aspecto de debilidade.

Pera aí... Aquele rosto me era familiar... Puxei pela memória e lembrei de que era o mesmo garoto que ficava no alto da estação de Deodoro. Não tinha a metade de um pé e quando eu passava ou estava dormindo ou lanchando com recursos doados pelas pessoas que passavam.

Certa vez, ao ver aquele garoto simpático, parei e perguntei de onde ele era e ele disse que era de Minas. Achei estranho e falei para ele tomar cuidado naquele lugar.

Aquela figurinha passou fazer parte do meu caminho. Sempre o observava. Da ultima vez que o vi, notei que estava sem a coberta e a cicatriz do pé estava inflamada.

Neste momento, ao lembrar isto tudo, olhei para ele e disse que o estava reconhecendo de Deodoro e que ele era de Minas. Ele sorriu feito criança. " Lembra de mim tia!!? Também lembro da senhora!"

Pude perceber que ele estava acompanhado por uma senhora que me ouvindo dizer que ele era de Minas, franziu a testa. Ele rapidamente, com sorriso sapeca, fez um sinal, pedindo silêncio a senhora.

Fiquei curiosa. A senhora estão me contou a vida do menino.

Pois bem, chamava-se DANILO, morava na Abolição, tinha uma avó, a mãe era sumida no mundo e se tratava no Centro de acolhimento - UFRJ desde pequeno. Só que agora estava com 16 anos (com jeito de 12) e não queria mais morar com avó.

Foi para Central e agora estava em Deodoro. Já teve no abrigo e tinha comprometimentos mentais. Segundo a senhora, funcionária de Centro de atendimento, ele era dócil, não tinha vícios, mas não queria voltar pra casa. E segundo ela, infelizmente, não se podia fazer nada. A avó tratava de outros netos e não tinha mais controle sobre ele.

Então aconselhei Danilo voltar pra casa, pois sua avó deveria está preocupada. Ele respondeu que não voltaria, pois era bom comer pão de queijo na estação de Deodoro e que não gostava da avó porque brigava e o mandava embora pra rua.

Segui com a senhora do CAPS ( Centro de Atenção Psicossocial ) que me contou um pouco mais. Disse que ele perdeu o pé, pois foi empurrado na linha do trem por outros garotos e que tinha as cicatrizes no braço porque ele tinha colocado o braço para fora do ônibus.

Em certo momento da viagem DANILO segurou e beijou minha mão, perguntou se eu tinha filho e se eu queria ser mãe dele. Fiquei surpresa com seus gestos. Danilo parecia nas ações, na inocência das palavras e na mentalidade com meu filho de seis anos. Chorei por dentro diante da minha impotência!

Na estação de Deodoro, mediante nossos olhares inábeis e aflitos, DANILO desceu mancando, arrastando sua mochila, sua inocência e contando apenas com a proteção divina.

Como lidar com isso? Nossa realidade:Pesquisa censitária nacional(Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) identificou 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família (pais, parentes ou amigos) e trabalham na rua; 23,2% dormem em locais de rua (calçadas, viadutos, praças, rodoviárias, etc.), 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaços. Os motivos são diversos (da violência a comprometimento mental) e as consequências também. Eles são privados da convivência familiar e de seus direitos fundamentais.

E esta verdade, neste dia, com tantas riquezas de detalhes, me deixou devastada por dentro.

É preciso fechar os olhos para enxergar as condições do morador de rua.

Sim! Ele não é o banco, a calçada ou a marquise...

Sim! Apesar de não percebermos por diversos motivos, ele é gente...

E agora? Ele já não era só mais um pedinte na estação. Ele era o menino DANILO.

Glória Alice
Enviado por Glória Alice em 20/06/2020
Reeditado em 20/06/2020
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