A BORBOLETA NA MINHA JANELA
 
            Hoje acordei e como de costume fiz minhas orações de agradecimentos ao meu Deus pela oportunidade da vida. Afastei a cortina para o lado e os raios de sol penetraram pela parede, banhando o quarto com uma luz mágica aos meus olhos. Ficou claro para eu que essa luz era diferente, que as mensagens vindas e trazidas pelos fótons eram de certa forma um esplendor sem igual a se descortinar diante de meus olhos. Então olhei pela janela e vi as árvores costumeiras ao sabor do vento que caprichosamente escolhe as amarelas para lançá-las gentilmente ao chão. Observei em volta e pude ver que a vida pulula em todos os lados visíveis e em todos os ângulos perceptíveis e até abaixo do chão. Fiquei por alguns minutos fixando o mundo daquelas plantas diante de mim. Exercitei a imaginação e o que vi era simplesmente um universo dinâmico, tudo estava acontecendo ao mesmo tempo dentro daquele ecossistema.
            O vento cumpria o seu papel dentro de um microssistema maior e mais simples, porém complexo ao mesmo tempo, em que embalado pelos movimentos das massas de ar, resultado desta estúpida velocidade que nos faz girarmos em torno do próprio eixo a incríveis 1.675 mil km/h, em forças siderais descomunais em ação constante. As folhas verdes em seu auto processo de fabricação da própria alimentação diária na presença dos raios de nossa estrela radiante, executando todas as etapas químicas da fotossíntese e suas reações bioquímicas que lhe dão sentido a sua existência vegetal. A geometria das folhas, a disposição espacial nos finos e delgados galhos numa arquitetura sue geners, fazia daquela planta um universo invisível apesar de enxergada pelos olhos em uma visão turva. A troca gasosa era um festival de moléculas em gradientes diferentes de concentrações, uma permuta pela vida plena em oxigênio tão necessário pra nós, seres aeróbios, liberado, absorvendo o que para muitos seria um gás mortal, o carbônico. As folhas amareladas e sopradas pelo vento eram substituídas por brotos verdejantes e brilhosos de renovação para cumprirem o mesmo papel de vida. O solo  aveludado de amarelo era palco para outros seres, microscópicos, fazendo dele um banquete, decompondo-a numa compostagem orgânica maravilhosa, resultando numa retroalimentação capitada pelas raízes fortemente fincadas no solo, que dele retiram o líquido da vida, na umidade que lava todo seu ser por dentro, que mata a sua sede e a faz prosperar. Muitas outras folhas são retalhadas, transportadas, beneficiadas e consumidas por uma legião de trabalhadoras incansáveis diuturnamente, as pequenas e belas formigas, bem organizadas, rastejantes do meu ponto de vista em uma classificação biológica. Em suas casas embaixo da terra alimentam-se e alimentam sua provedora de vida, a digníssima rainha. Em grandes silos de depósitos, armazenam e poupam suas provisões para dias menos favoráveis.
            De repente, não mais que de repente, percebi que havia ali, escondido, camuflado entre as folhagens um pequeno ninho, perfeito em sua frágil e sólida engenharia de construção, uma casinha de amor a dois. Imaginei vidas ali dentro sendo geradas e guardadas carinhosamente pelo aconchego de pais cuidadosos. Pequenos e indefesos ovos que eclodiriam pequeninos seres cantantes, matinais, que dotados de asas, voariam um dia em liberdade pelos céus quando estivessem prontos para suas aventuras cruzando o azul celeste, pelo vento, numa orientação espacial precisa, descansando nos braços daquela mesma árvore que um dia lhe dera guarida, e quem sabe, se alimentarem das lagartas que devoram suas folhas vorazmente, livrando a árvore de uma “praga natural" de insetos. Insetos que um dia poderiam se metamorfosear e transformar-se em lindas e coloridas borboletas em seus voos desajeitados e não lineares pelo ar, como esta que acabou de pousar docemente no parapeito de minha janela, olhando para mim, movimentando lentamente seu par de asas, talvez estranhando esse ser que sou eu, totalmente imóvel e absorvido por tanta beleza diante desse lepidóptero inigualável nessa manhã radiante de domingo de sol.
Ricardo Mascarenhas
Enviado por Ricardo Mascarenhas em 21/06/2020
Reeditado em 04/03/2021
Código do texto: T6983796
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