UM TOQUE SUAVE

Sabe aquela fome de lascar? Dei dez passos e parei. A imagem de uma padoca iluminou meu caminho e me fez salivar. Resoluto, entrei. Meus olhos invadiram o balcão onde repousava caliente, e quase saltando em minha boca, um daqueles suculentos pedaços de pizza de mussarela.

Recém-chegada, redonda e vaporosa, por pouco não me chamou pelo nome. Em segundos, estava eu lá a devora-la. Um belo suco de frutas pareou com o prato. Apetitosos a cada mordida, em minutos se foram. Ainda salivando, olhei para o celular e…

CARACA! Agendei errado o horário da reunião. V-vai iniciar em vinte minutos! Eu tinha de escalar três quarteirões ainda até o décimo segundo andar do prédio de vidros azuis. Paguei rápido a despesa.

Antes de sair, lavei a gordura das mãos numa pia, próximo à saída do toalete. Senti um olhar. Tão subitamente quanto senti, desvaneceu. Estufei o peito e segui ofegante cada palmo da calçada, cadenciando os passos.

De repente, uma sombra emparelhou comigo e se fez notar por um suave pigarro. Uma figura alta, magra, sensual e perfumada encostou sua boca em meu ouvido e indagou com voz rouca.

— Pensei que você comeria a pizza… todinha.

Virei de vez o rosto. Encaixados em uma tez clara e envolvidos em loiros cabelos, um par de olhos verdes saltou de um passado inesquecível e distante.

— R-Raquel?!

— Eu mesma, Jean.

O tempo não agredira sua história e silhueta. Continuava linda como há dez anos. Seu charme, inconfundível. Parei e olhei-a toda nos olhos, na boca… Ainda solteiro, ela sumira de mim requisitada para uma campanha fashion internacional. Desde então, virou uma lembrança de mover montanhas, vale ressaltar.

— Puts, Raquel! Você continua linda! Mas acho que não vai rolar o papo agora, tenho uma reunião importantíssima para começar em dez minutos.

— Relaxe! — e colocou em meu bolso um cartão. Virou-se e embarcou de carona em um carro com outros quatro colegas. Evaporou no ar, do mesmo modo como ressurgiu.

Visivelmente excitado, segui rumo ao céu, digo, ao décimo segundo andar do prédio de vidros azuis. Lá, fui recebido e rumei para a sala de reuniões. Nela, uma mesa oval e algumas folhas de papel ladeando cada um dos presentes. Bastava um “ok” do CEO da empresa para garantir de vez o meu futuro.

Minhas mãos suavam sobre o envelope. Em seguida, um a um, todos foram recolhidos pela secretária que os colocou em uma pasta. Notando a ansiedade do grupo, indagou: “Prezados, peço que aguardem. O vencedor da campanha será revelado em instantes.” Longos minutos se passaram.

Um ruído e a maçaneta da porta de entrada da sala girou, lentamente. Da ponta da “arena” surgiu então a figura do CEO que daria o “sinal de Cesar”, tão aguardado. Ao ver a criatura, congelei. E-era… RAQUEL!

Aquela Raquel, com voz rouca e inebriante. E assim, aprumou-se diante dos integrantes da mesa e proferiu a decisão. Minhas pernas tremiam e faltava-me o ar.

Olhe-ia nos olhos, mas ela ignorou meu olhar.

Dadas as circunstâncias recentes, senti-me iluminado, a tal ponto, que já me via aclamado como vencedor.

Ledo engano. Aclamou como vencedor um colega próximo de mim. Parabenizou-o e encerrou a reunião. Desabei.

Foram por terra: a esperança, a lembrança mais do que inspiradora e a oportunidade de ouro da minha vida. Desci dos céus para o térreo. Saí do prédio e segui pela calçada. Toquei em meu bolso e olhei o cartão que Raquel havia me dado. Nele, uma mensagem escrita. “Te vejo na saída da reunião”. Travei.

Rente ao meio-fio, notei um carro encostando. O vidro se abriu e do interior uma voz rouca e sensual me tentou suavemente:

“Entre, Jean, acho que você venceu a concorrência!”