SAUDADE

Esta palavra só existe na língua portuguesa. Mas o que ela representa é universal. Pode ser aquela vontade louca de falar com alguém, de beijar pra valer ou de reviver a infância. E ela bate também quando nos lembramos de quem se foi para sempre.

Nestes tempos de isolamento social, a saudade tornou-se nossa companheira inseparável. É ela que está conosco nas horas em que encerramos uma videochamada. Nos permitimos desabar e derramar litros. De repente, constatamos que não temos tantos baldes e toalhas assim em casa. E paramos.

Ainda temos o direito de dar uma fugidinha. Depois de chegarmos em casa e cumprirmos todo o ritual de limpeza e desinfecção retomamos a rotina que, diga-se de passagem, está mais maçante do que nunca. Se esquecemos de comprar alguma coisa, paciência. Fica para a semana que vem. Quem mandou ir para o supermercado sem a notinha?

A agenda está toda bagunçada. Ou nós é que estamos. Lembramos de uma live imperdível. Mas ela aconteceu no mês anterior. Já estamos na metade do ano? Já. A saudade não é nem do mês passado. É do ano que passou. Exatamente da época em que a agenda foi comprada.

E quando a saudade ganha um s. É sinal de um sentimento maior. Saudades dos velhos tempos, que nem são tão velhos assim. Lembramos como hoje dos dias em que estávamos em casa, sem fazer nada, e decidíamos sair por aí. Quantas saudades. Só não vale cantar “tempo bom não volta mais”. Deus nos livre guarde. Esse tempo bom precisa voltar. E logo.

Precisamos também que ela volte urgentemente. Aquela alguma coisa que não sabemos explicar o que é. Só sabemos que ela tem que voltar. Pode ser a inspiração, a ternura ou o equilíbrio. Caímos e percebemos que não temos a mínima vocação para trapezistas. O chão está sem rede e a batida dói muito.

Com grande esforço levantamos. Rapidamente somos tomados pelo ânimo. Não parecemos mais a mesma pessoa. Os baldes e os lençóis não fazem mais falta. Os metros quadrados que habitamos transformam-se em um palácio. Está tudo divino e maravilhoso, tal como a música do saudoso Belchior.

Parece mentira, mas de repente cai a ficha e fica muito fácil chegar aos cem por cento. Falamos sozinhos e não nos achamos loucos. Rimos alto como se estivéssemos aglomerados. Temos vontade de devorar uma barra de chocolate, mas a consciência berra. E mesmo assim, vai tudo muito bem obrigada.

Não ansiamos mais tanto pela chegada do começo do mês. Se já tivemos pressa, agora vamos bem mais devagar. Nosso único grande desejo é acompanhar alguém tão indesejado até a porta de saída. Saudade, já vai tarde.