Grampeei as folhas do passado que me faziam sofrer toda vez que foleava o caderno. Mania de autoflagelação! Humanidade passando a limpo o rascunho mal acabado de princípios e valores, diante dessa nova perspectiva mundial, e eu lá, solitária, na rebarba, tentando traduzir a caligrafia que escorria pelos dedos, já que os olhos marejados criavam lagos nas margens pautadas. Quem nunca chorou por amor arranque a primeira folha. Pra falar verdade essa história de amor de novela mexicana tem um pano de fundo remendado. Amor é faca de corte, se não amola, perde a função, ora bolas. E amolar tem dois sentidos. Pano de fundo romântico é conto universal, mas cabe amor num texto pronto? Com introdução, desenvolvimento e conclusão? Vai dizer que Romeu e Julieta não foram precipitados, um tempinho a mais não evitaria a tragédia? Branca de Neve esperou o príncipe num esquife de vidro, coitada! Parecia intocável, santificada! E ele veio lindo e encantado, mas era conto de fadas. Aqueles anões salvaram a pátria! Catherine se viu numa trama de vingança e ira. Quem ousaria separá-los no Morro dos ventos? Todo amor é sagrado e sacramentado? Gabriel García Marquez revelou a cólera no amor deveria país. Todo contexto é esperança encapsulada, em dose certa, pena que o último parágrafo é constatação. O amor sendo interpretado no tempo. Perdoem-me os românticos, mas todo amor apressado come cru. Não seria paixão? Certifiquem-se! Ou crucifiquem-me! Romeu e Julieta remexendo no túmulo do clássico. Na lápide, amor sem fim. Será? Comprei um caderno novo! Vai que cismo de arrancar os grampos numa crise de identidade?
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 30/06/2020
Reeditado em 30/06/2020
Código do texto: T6992269
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