Até mais, seu Nico.

Há três décadas conheci Santo Amaro da Imperatriz, um município da grande Florianópolis cercado por paisagens belíssimas, montanhas da mata atlântica que muito me faz lembrar as de Minas Gerais. Por aquelas montanhas me inspirei em pintar algumas telas, exaltando a grandiosidade da natureza que ainda teima em se exibir majestosa e mansa. Cidade de colonização alemã, de culinária fabulosa, queijos e salames coloniais e jamais comi um pão de milho tão apetitoso e macio em qualquer outro lugar.

A colonização de Santo Amaro tem como ponto de partida a descoberta da fonte de águas termais no início do século XIX por caçadores. O governo imperial determinou, então, que um contingente policial guardasse o local, em detrimento dos direitos da população indígena do lugar. Em 1818, o rei Dom João VI determinou a construção de um hospital – foi a primeira lei de criação de uma estância termal no Brasil. Em outubro de 1845, Santo Amaro recebeu a visita de Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina, que mandou construir um prédio com quartos e banheiras para os visitantes em busca de alívio para suas dores. O nome da cidade é uma homenagem à Imperatriz.

(Pausa para devaneio: o hotel é charmoso, silencioso e aconchegante, o café colonial é divino, o banho é inesquecível!)

Só retornei para aquela cidade vinte anos atrás quando estudante do curso de acupuntura. Estagiei no hospital São Francisco, local de grande aprendizagem, amizades profícuas, infelizmente já passadas. Tempos de conhecimento, de trocas, de busca de harmonia por dentro e por fora de cada um de nós, estudantes.

Com o tempo, resolvi montar ali um consultório. Fui também muito feliz .

Bem na esquina do meu consultório , o bar do seu Nico. Nos primeiros momentos fiquei constrangida em entrar ali. No balcão sempre havia alguns homens bebendo alguma coisa, mas jamais eu os vi falando alguma bobagem, se insinuando grosseiramente para alguma moça. Nada! Simplesmente ficavam a beber um pouco e a conversar. Mas o charme do bar do seu Nico é que, na realidade, era uma vendinha daquelas de interior, onde havia de tudo. Bolachas, pão de forma, banana, pinhão, batata, cenouras a granel, sandálias havaianas, copos, Bombril, azeite de oliva, caixas de fósforos, macarrão de várias marcas, massa de tomate, sabão, sabonete, chocolates... tudo o que existia antes da emergências dos grandes supermercados, que não têm poesia e nem charme.

Resolvi entrar ali algumas vezes, comprei algumas coisas, um guaraná gelado para suportar o calor de janeiro. E conversei com o seu Nico. Ele estava ali, naquele comércio, havia mais de quarenta anos e achei isso deslumbrante. Imaginar aquele senhor, educadíssimo, gentil com sua clientela, a perceber e participar do crescimento e das mudanças da sua cidade!!

Era comum, quando eu fechava o consultório, passar por ali e comprar alguma coisa e trazer para casa. Eu gostava demais disso, me fazia lembrar coisas do tempo em que eu visitava os meus tios no interior do Paraná e eu sempre via com consideração e muito, muito respeito, esses pequenos comerciantes que conheciam sua freguesia pelo nome, por algumas características próprias, sabiam se fazer respeitar pelo seu ofício de bem atender.

Quando fechei o consultório para abrir um outro espaço de trabalho na minha casa há sete anos, fui me despedir do seu Nico. E foi ele que me agradeceu. Eu não entendi a razão disso. Ele me disse: “muito obrigado por tudo o que a sra. fez por nós”. Mas eu não fiz nada, tenho certeza. Fiquei sem entender.

Frequento muito a cidade, que me faz bem. Mas hoje passei por ali e percebi uma modificação na frente do bar do seu Nico. Um tapume. Pensei: cadê o seu Nico???

Encostamos o carro no posto de gasolina bem próximo e perguntei para o frentista.

Infelizmente o seu Nico faleceu. Tive essa sensação quando vi a mudança na fachada do bar.

Mais de meio século com aquele armazém! Imagino o quanto conhecia da história daquela cidade tão poética e especialmente linda, o quanto atendeu, o quando tinha sabedoria de vida.

Eu me abati, sinceramente.

O sr. não se lembra mais de mim, seu Nico, mas a sua integridade me fez bem naqueles tempos. Eu tenho muito o que lhe agradecer.

Siga em paz, seu Nico e, lá em cima, no seu balcão, receba anjos para boas conversas e troca de conhecimentos.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 04/07/2020
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