Hoje

Hoje é um dia esquisito: já foi ontem e será ontem novamente quando chegar amanhã. Detalhe: o amanhã será invariavelmente hoje. Por isso, nada de tentar entender. Viver é a melhor forma de conhecê-lo.

O hoje 17 de outubro é marcado por vários hojes que se perderam no tempo — ontens. Quer ver só? Em um hoje qualquer, no ano de 1849, morria o polonês Frédéric Chopin, um dos mais conhecidos compositores para piano do mundo e famoso por seus noturnos. Dois anos antes, em 1847, nascia, no Rio de Janeiro, Chiquinha Gonzaga, também compositora para piano e primeira mulher a ingressar em uma orquestra no Brasil.

No hoje de 1969, eram incorporados à Constituição brasileira, pela Emenda Constitucional n° 1, dispositivos do AI-5, dando continuidade ao Golpe Militar de 1964 e estabelecendo a "Constituição de 1969". E aqui revela-se mais uma faceta desse ontem que nunca deixou de ser hoje: a "onicronia", explicitada por um hoje demorado, que durou muitos hojes e será lembrado nos amanhãs como “o hoje que não acaba”. Mais ou menos na época desse hoje-ontem atemporal, Madre Teresa de Calcutá ganhava, em 1979, o "Prêmio Nobel da Paz". Quem disse que hoje é coerente?

Mas isso é coisa de outros hojes. Os nossos, mais contemporâneos, são também menos gloriosos: nesse espaço de tempo tão banal e infindável que é um hoje, comemoramos sete mortos em uma favela do Rio, resultado de operação da polícia; fazemos amor no horário marcado; assistimos a um jogo do Brasil na TV; registramos, unidos, a alta da Bovespa; ouvimos atentamente a missa das sete; lemos com falso interesse sobre a viagem do presidente à África, sempre repetindo com veemência: “É só por hoje. Amanhã tudo vai ser diferente”.

Às vezes, esse fado pessoano parece difícil de carregar. Nessas horas, o melhor é ir dormir. Afinal, o hoje acaba à meia-noite, renascendo, novinho em folha, à meia-noite e um, completamente diferente e igual aos tantos hojes que adormeceram para sempre, com seus planos de ônibus mais vazios, menos horas de trabalho, passeios na orla ao entardecer...