Manias

De vez em quando sou perseguido pela lembrança dos versos de uma música que fez relativo sucesso nos anos setenta. Era peça obrigatória nos saraus que organizávamos na casa do amigo Ademar. O seu compositor, Flávio Cavalcanti, que apesar de controverso, teve um importante papel na descoberta de novos talentos da MPB, como Emilio Santiago, Lecy Brandão, Armandinho, entre muitos outros, em seu famoso programa A grande chance. Mas a beleza contida nos versos de Manias, deixava um pouco de lado essa resistência que alguns tinham à pessoa, focando apenas no seu lado poeta. Não tinha como deixar de reconhecer a beleza da canção, que entre os seus versos dizia “dentre as manias que eu tenho, uma é gostar de você”.

E enumerava uma série de manias como “cantar sempre a mesma canção no chuveiro, só pedir o cinzeiro depois da cinza no chão, não resistir a passar o dedo em tinta fresca, guardar fósforo usado dentro da caixa, não deitar sem antes ler o jornal”, e por aí vai, lembrando, finalmente, que “mania é coisa que a gente tem, mas não sabe porque”.

Observo hoje que algumas dessas manias tanto o avanço tecnológico como os novos costumes se encarregaram de deixar para trás. Mas outras, certamente, foram colocadas em seus lugares.

E quem não tem as suas manias? Eu mesmo sou cheio delas. Falar efusivamente com as pessoas, demonstrando carinho e atenção, é uma que, por mais que me alertem, (e agora com o coronavirus, mais ainda) eu não consigo me desligar. Alguns dizem: “as pessoas podem entender mal e achar que você está se enxerindo pra elas”. Tenho preferido correr o risco da má interpretação.

Mas tenho outra mania – e essa é mania mesmo – que é dar resposta a todas as pessoas que a mim se dirigem por algum tipo de correspondência. Quer tirar a prova? Pois me mande uma pesquisa ou alguma outra pergunta, sobre qualquer coisa, para ver se eu não respondo. E nem precisa conter um questionamento no enunciado. Basta chegar a mensagem.

Acho que peguei essa mania depois que sai de casa, aos vinte anos. Como naquele tempo não havia essa facilidade de telefone que existe hoje, o meu contato com os que ficaram era por carta. Com meu pai, o meu mais constante interlocutor, trocava ao menos três correspondências por semana.

Falo nisso porque, com frequência, recebo e envio e-mails ou zaps para muita gente. A coisa mais rara – é claro que estou exagerando um pouco – é ter respostas nessas correspondências. Passei a utilizar o célebre P.S. em muitos deles, só para solicitar que os destinatários, gentilmente, acusem o recebimento. Ou, o cúmulo: telefonar para saber se a pessoa recebeu a correspondência.

Por me incomodar a falta de resposta (e é aí que está a mania) interroguei uma delas – a mais próxima - para saber por que não dava retorno. Recebi de volta: “Só respondo quando vem perguntando alguma coisa”. Ou seja: quer resposta? Não esqueça de fazer a pergunta.

Fleal
Enviado por Fleal em 21/07/2020
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