COMEÇO DE VIDA NOS EUA (PRIMEIRA NEVE)

O apartamento era muito aconchegante, cheio de espelhos na parede, um quarto grande, com uma cama enorme (dava para dormir meu marido, eu, a Patti e ainda alugar para um casal! hahaha).
Tudo mobiliadinho, bonito. Mas tudo tão quieto. Aqui nos EUA não se ouve sons na casa dos vizinhos. Alias, a gente vê muito pouco os vizinhos. Todos  são muito dentro de seu mundo, concentrados em sua própria vida.

No dia seguinte, fomos ao Supermercado fazer compras. Tudo com nome diferente, e a farinha (flour), e o fubá ( corn meal), e o arroz (rice), e o feijão (beans). Fiquei procurando um tempão o vinagre. Ai perguntei para um empregado: “Aonde você tem vinagre?” E em vez de pronunciar vinegar, eu falei “vainegar” O cara: “O que?” E eu : “Vinagre, aquele de colocar na salada”. Ele riu e disse: “Ahhhhhhhhh você quer dizer “vinegar!”.

E depois de umas voltas no Supermercado “Farmer Jack” , consegui encontrar tudo, embora suado, mais ou menos para tentar uma comida brasileira. (lembrei-me agora da minha sogra, que veio para cá. E disse: "Vamos comprar musculo para fazer uma sopa?" "D. Salete, aqui não tem musculo". Ela riu, e disse: "Como? vaca aqui não tem musculo?" "Não tem, D. Salete, elas não são criadas em morro"...o corte e diferente. )Pura verdade. não existe musculo no Supermercado. E em lugar nenhum.

Saímos de lá e fomos comprar um hamburguer. Afinal, queríamos experimentar um americano pela primeira vez. Entramos no McDonalds e fiz o pedido. Falsifiquei uma voz de americana: “Number one, please!” Entao o cara  perguntou algo e não entendi. Falei: “What?” E ele perguntou novamente. E eu: “What? Could you please repeat?” E entao ele falou bem pausadamente:  “EH ..... PARA .... COMER .... AQUI.... OU..... LEVAR....?”  (so faltou adicionar: "Sua besta!") Na verdade ele falou tudo junto assim: “FOR-HERE-OR-TO GO?”...

Fomos para a mesa e comecei a rir sozinha. Imagine, eu me considerava Bilingue! Nem na Sta. Rita de Catigeró! Não entendia nada. Parecia que eu estava na Alemanha. Custou para aprender a velocidade da língua, aprender a ler os lábios, os gestos. Parece que a gente não acompanha. E parece que nem eles acompanham a gente. Senti uma saudade de falar assim: “Que cê ta falando cara, não to te entendendo!”. Em Português mesmo! O Português gritava dentro de mim.
Uma coisa engraçada é que quando nos aborrecemos com algo, dentro da gente vem todo o aborrecimento em Português! Jamais você consegue pensar as palavras que gostaria de dizer em Inglês. Eu achava tudo diferente, mas bonito. Assim como uma paisagem parada, meio sem vida, sem cor.

Lembro bem quando veio a primeira neve. Aqui eles chamam “flurries”...  aquela nevinha leve, que parece casquinha de gelo... Eu estava na cozinha lavando louça, e na frente da pia tinha uma janelinha, com aquelas cortininhas, bem tipo americana. De repente comecei a olhar e ver aquelas casquinhas caírem. Larguei tudo  lá, troquei de roupa depressa, gritando para meu marido: “Esta nevando!”
Sai la fora correndo, rindo, olhando para o céu e abrindo a boca. Eu queria comer neve. Sentir neve...Um frio... que delicia! Fiquei a rodopiar lá fora, como nos filmes. Meu marido gravou tudo. Eu o via na janela, e acenava. Que caipira! Mas que delicia ser caipira.. Aquele dia foi inesquecível. Pegava os floquinhos com a mão, olhando para cima aquela coisa linda caindo...
Uma americana que trabalhava com meu marido saiu comigo para me ajudar a comprar roupas de frio. Casacões, botas, luvas, aquele “cuecão” de colocar por baixo, que aquece, eu me senti a própria Star Trek! Pensei assim que o dia que nevasse, e eu quisesse sair, teria que começar a me trocar de madrugada para colocar aquilo tudo.
Meu marido ainda não havia comprado os casacos, iria comigo no Sábado.

Então... aconteceu!

A TV anunciou uma tempestade de neve! E eu fiquei toda entusiasmada! que delicia! Queria ir lá fora, brincar na neve, jogar neve, deitar na neve, comer neve, respirar neve!
Bah! No outro dia olhei para a janela e o dia estava cinza escuro e bem feio. E montes de neve. Mas montes! Mal podíamos da janela enxergar o nosso carro. Havíamos comprado todas aquelas coisas para tirar o gelo do vidro, aquele vassourão... Então a Patti estava dormindo, e desci com ele para ajudá-lo a limpar o carro.

Um pequeno comentário aqui: Meu marido usando um terninho daqueles brasileiros, fininhos, com um casaco brasileiro que também não daria no couro. Descemos. A hora que eu enfiei o pé lá fora, a neve veio ate quase meu joelho. Eu andava como um robô. Alias, nos dois. Chegamos ate o carro e começamos a limpar. E chovia neve, e ventava neve. Nos começamos a rir muito porque limpávamos e o vento cobria os vidros de novo. Riamos, riamos... (Ah! como eh bom ser jovem, né? A gente acha graça de absolutamente tudo!). Mas agora estou pensando: eu ainda acho graça em tudo, na verdade!

Meu marido conseguiu sair e corri para o apartamento. Fiquei a olhar da janela a neve, e naquele momento me deu um sentimento tão gostoso de aventura. Eu não podia sair de casa porque ainda não havia tirado minha carta de motorista. Mas resolvi cozinhar. Sim, cozinhar. Um feijãozinho brasileiro, com arroz, um peixe e legumes. Tudo era diferente: o fogão era super possante e meu primeiro arroz foi uma negação. Saiu pior do que aquele "unidos venceremos". Meu feijão meio seco, meu peixinho ate que ficou bom, e a vagem meio durinha. Comi e achei tudo gostoso.

Meus dias eram solitários, mas dedicados a minha filha. Comprei todos os livrinhos infantis americanos, Cinderela, Branca de Neve, livros de números, de letras, e meu mundo por um tempo foi dentro de casa, depois de ter trabalhado como Secretaria a vida toda. Passava todo tempo  ensinando minha filha a reconhecer as letrinhas, e a ouvir as historias, que eu contava  em Inglês. Representávamos as cenas... ela comia a maça, e eu, o Príncipe corria para beija-la. Perdia o sapatinho, e eu o Príncipe vinha experimentar. Servia! Ah que delicia, conhecer esse mundo infantil. Reciclar tudo de novo. Sentir-se criança!
Cantava para ela todas as musicas infantis Americanas que aprendi, e ela cantava comigo: “Itsy Bitsy Spider”, Jack and Jill” e muitas outras.

E quando a colocava para dormir a tarde, eu ia correndo assistir novelas, com caderno na mão. Anotava tudo. Olhava no dicionário. Aprendi muito a cultura americana através das novelas. Claro que não é tudo ali que representa a cultura. Mas as festas, as comemorações, as roupas, as comidas. As reunioes em familia.
E também expressões idiomáticas, gírias... foi um grande aprendizado!
Eu assistia os programas do Bill Cosby, adorava porque eu entendia quase tudo. Ele falava muito devagar, e eu gostava muito daquelas historias de família.

Eu a fazia dormir e saia de mansinho, para aprender Inglês através da TV, e as vezes eu a via chegar na sala com seu pijaminha (que linda lembrança!) dizendo em sua linguagem de criança: "Não dumi!". “O que filha?” “No sleep” (na sua linguagem metade Português e metade Inglês). E ali acabavam minhas aulas e comecava o meu mundo com ela.

Era Novembro  e fomos convidados para um jantar de Ação de Graças (Thanksgiving) na casa do Diretor da Companhia. Esse foi o jantar mais inesquecível da minha vida....

E ele, eu conto no próximo capitulo.
(acima foto minha e da minha filha em Detroit, ela com 3 anos)
 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 22/07/2020
Reeditado em 23/07/2020
Código do texto: T7013992
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