NOSSO PRIMEIRO JANTAR INESQUECIVEL
 
Quando chegamos em Detroit em Outubro de 1990, tivemos o primeiro feriado, que foi o de Thanksgiving (Ação de Graças) no final de Novembro. Fomos então convidados para um jantar na casa de um Diretor da Empresa  onde meu marido trabalhava. Lembro que estava bastante frio, a Patti tinha um aninho e estávamos somente há um mês nos Estados Unidos. O Diretor chamava-se John Henson, e morava em uma casa tipo rancho, que ficava um pouco longe da cidade.

Rancho sao tipos de casa de um so nivel, ou seja, nao tem aquele porao (basement) nem os quartos todos em cima, como a maioria dos Americanos tem casa. E quando ficam mais velhos, vendem a casa e compram essa tipo rancho, sem escadas e mais facil de se locomover.

Uma das coisas meio chatas na adaptação a um outro país, é como se vestir nessas ocasiões. Eles têm uma linguagem própria deles,como "casual", mas esse "casual" pode às vezes ser mais sofisticado. Não me preocupei com roupa e me vesti de Mary mesmo. Jeans, uma camisa, um sueter e bota. Lembro que estava frio, e nevava um pouco. Entao levei meu super casaco que havia comprado.

Lá chegamos e olhei as janelas por dentro todas iluminadas, com aquele "ar" de festa.

Fomos muito bem recebidos pelo John, e tiramos os sapatos o que é o costume aqui, principalmente em tempo de inverno. Entramos naquela sala muito acolhedora, a lareira acesa, uma mesa cheia de salgadinhos, almofadas para todos os lados, e eu já fui sentando no carpete .É assim que me sinto bem, em  casa, estamos sempre sentados no chão.

Havia também um Diretor de Recursos Humanos da Alemanha, simpaticíssimo! Quando encontramos pessoas assim, não importa nem a comunicação falada.  Digo isso porque eu era iniciante tanto na cultura, como no falar. Mas era algo mesmo de alma. A conversação fluía tão fácil com ele, e era como se os corações estivessem falando.

Havia uma parte mais elevada da sala, onde havia uma lareira. Em uma cadeira de balanço na frente da lareira, estava sentado o pai do John (dono da casa), com um copo na mão. Ele balançava naquela cadeira, olhando de longe anossa reunião, com um olhar meio perdido, vago, aquele tipo de olhar que os  velhos têm, que parecem estar imersos em seu próprio mundo.

Começamos a tomar vinho, comer queijinhos diversos, pãezinhos, e a uma certa altura, como eu sempre faço nos lugares que vou, desliguei-me do tempo e me detive na beleza do cenário. Olhei aquele velho sentado em frente da lareira, olhei para a janela e vi a neve lá fora, (e tanto calor ali dentro...calor da lareira, calor humano), a música suave tocando no fundo... e de repente me senti fazendo parte de um filme americano.
Não sei se algumas vezes vocês já se sentiram assim, como se nao fizessem parte da cena. Senti como se não fosse "vida real", como se eu estivesse apenas participando de um momento, inserida num contexto. Desliguei-me do cenário  e naquele momento era apenas uma expectadora.
 
Depois de conversarmos bastante, fomos levados para uma sala de jantar muito bonita, onde foi servido lasanha, peru, uma bela salada, com pão de alho. Foi um jantar nada convencional para um Thanksgiving,  que normalmente é servido peru, batata doce assada, milho, purê de batatas com gravy (que é o molhinho que eles colocam em cima do peru).

Todos conversavam ao mesmo tempo, rindo alto, passando o pão e o vinho. A simpatia dos donos da casa era invejável. Lembro que a esposa do John, muito agradável, tinha uma risada alta, mas muito feminina, que me lembrava o tilintar de copos de cristal, apenas uma analogia que às vezes fazemos.

Essas coisas que a gente ouve e relaciona com algo sem saber o porquê.
Depois do jantar, fomos para a sala onde foi servida uma torta de maçã quentinha, com sorvete e uvas.

Olhei para a sala, a lareira, e ainda balançando na cadeira, o velho segurava o seu copo, ouvindo aquela música que ecoava  no ambiente, e olhando de longe, ele fazia parte daquele momento como algo histórico.  Algo que eu senti que jamais esqueceria. Lembrava-me velhos filmes que eu havia assistido antes.

Minha filha brincava no carpete, e a esposa do John trouxe um bichinho de pelúcia (um leãozinho) que era do filho dela quando era pequeno (e que por coincidência o filho tinha sido também adotado). Até hoje guardo aquele leãozinho, e toda vez que olho para ele, me vem essas lembranças.
Nunca mais esquecerei este jantar. Foi um marco na nossa chegada nos Estados Unidos. Aquela sensação de aconchego, de carinho. De boas vindas.

Não sei se eles ainda moram na mesma casa, mas muitas vezes penso em procurá-los, ou saber o endereço para escrever uma cartinha dizendo como foi importante para nós aquele dia. Mas como eles moram em Detroit, e mudamos para Cincinnati, perdemos o contato com eles.
Com certeza nunca passou pela cabeça deles o impacto tão positivo que teve esse jantar em nossa chegada nos Estados Unidos.

 (e na proxima conto o acidente que aconteceu e tudo que tive que enfrentar numa manha em que acordei sem esperar que aquele dia seria um pesadelo!)

(Na foto eu e minha filha Patricia no centro de Detroit)

 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 23/07/2020
Código do texto: T7014881
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