O ACIDENTE (continuação das minhas aventuras nos EUA)


Era uma manhã como outra qualquer, acordamos cedo (mesmo não trabalhando, eu acordava cedo  porque eu gostava muito que tomássemos café juntos).
Já estava nevando há 4 dias, era Dezembro. A neve em Dezembro em Michigan, quando começa, não para. Neve, mais neve... paisagem branca diaria.
Lembro que uma das tempestades, abri a porta da minha casa e a neve estava até quase na altura da minha cintura... quando foi decretado emergência. Quando é decretado emergência, ninguém pode sair na rua, nem a pé, nem de carro, que é multado. Tudo para.... uma sensação muito ruim!

Tomamos café e o Roque  se trocou para sair, agora já com suas roupas de inverno americanas. Um bonito casaco longo, sapato apropriado, cachecol, desta vez - quentinho! 
Quando ele saia, eu não voltava para a cama não. Aproveitava para dar uma arrumada na casa, lavar as roupas, fazer coisas que eram difíceis quando a Patrícia acordava. Aquela coisa de mãe que quando o filho esta dormindo, não sabe o que fazer primeiro? Pois é!

Assim que ele saiu, fui encher a maquina de roupas, e de repente eu ouvi alguém bater na porta. Aquela hora era algo muito estranho. Olhei pela janela ao lado, e vi o Roque, meio curvado, e abri a porta correndo.
Ai ele entra:
- "Mary, cai no gelo, acho quebrei o braço, você precisa me levar para o Hospital".
- E eu: "não, não quebrou não..." (sempre eu me recuso a acreditar no pior).
Quando ele levanta a blusa, o braço dele estava pendurado!
Nossa! que nervoso! Tentei nao ficar em panico. E tentei falar calmamente.
- Roque eu não tenho carta, não tenho ideia como dirigir carro automático.
- "Você aprende, eu vou te ensinando,  pega a menina...

Imaginem eu... minha cabeça começou a trabalhar rápido, vesti a Patricia, coloquei qualquer roupa, sai na neve (ainda um pouco escuro la fora) com ela no colo, coloquei-a na cadeirinha atras do carro, e ela ainda dormindo.
E o Roque sentou na frente comigo.
- "Qual Hospital? O Henry Ford?"
- "Eh, vai... faz assim olha....
(e ele começou a me ensinar a dar a partida, e andar com o carro). Até hoje não acredito que fiz isso, juro.
Sempre dirigi na minha vida, e dirigi  por 5 anos em São Paulo, que é o pior lugar do mundo para dirigir. Mas para dirigir aqui, você tem que claro, ter carta,  o carro é automático (o que eh bem mais fácil, sem precisar pisar na embreagem para trocar marchas). Mas a gente precisa pegar o jeito... O carro foi indo, e eu sabia mais ou menos onde era o Hospital. Chegamos lá, descemos, ficamos na sala de espera por um bom tempo até que  o Roque entrou para falar com o médico.

E nunca saia.. Ficou, ficou, ficou, até que o médico me chama...
- "Olha, tiramos radiografia e ele quebrou o braço em quarto partes. Aqui esta o mapa para a Sra. leva-lo a outro Hospital, pois aqui não fazemos essa cirurgia".
Outro Hospital? Mapa? huh? Nasci desconhecendo onde eh o Norte, Sul, Leste e Oeste... Nem com GPS eu me acho!

Mas meu GPS estava ali do meu lado, mesmo gemendo... ficava falando: "Vira aqui..." "Vai reto".... "Entra nessa highway"... (sempre detestei andar em highway), "Agora vira a esquerda"... e eu ia, acho que na minha cabeca não cabia mais nada, só que eu estava indo para um Hospital.
Depois de uns 45 minutos chegamos nesse Hospital, enorme, e lá entrei com o Roque e a Patricia dormindo no meu colo. E é um tal de entregar carteirinha, fazer registro, tudo igualzinho no Brasil, burocracia pura...nada diferente.

Ai ele entrou. E ficou, ficou, ficou, ate que o médico veio falar comigo: "Olha.. vou fazer cirurgia nele, mas essa cirurgia fazemos sem anestesia, sangue frio mesmo...porque ela é mais eficiente fazendo assim. Damos só um comprimidinho para ele dormir".
Eu, com meu Inglês macarronico, que naquele ponto só entendia "I love you", "You love me"  (a musica do dinossauro cor-de rosa do programa de crianças da TV), olhava desesperadamente para o médico, tentando ler todo o movimento de sua boca... Caramba... entendi!
Então o Roque  entrou em cirurgia, a Patricia acordou, não havia trazido fralda, nem dinheiro, nem nada... Sai lisa de casa.
Fui na Cafeteria do Hospital, e me deram algo para ela tomar, pedi fralda para a enfermeira, ela me deu... E eu sozinha! sem ter condições de ligar para ninguém, para uma mãe, ou pai, ou irmão, ou amigo... ninguém! Pela primeira vez senti na pele a solidão . Me senti uma ilha solitária... mas feliz que tinha ao menos dirigido ate lá!

Ficamos o dia inteirinho no Hospital, e saímos de la a noitinha.. Nessa altura do campeonato nos havíamos comido de graça na Cafeteria do Hospital, e eu estava me sentindo meio morta.
Ainda tive que ligar para o serviço do Roque e avisar o que havia acontecido, tropeçando nas palavras. Mas fui entendida! Viva! Depois disso, voltamos para casa, e nos três meses seguintes, eu levantava cedo, fazia sua barba, ajudava-o a tomar banho, a se vestir, o pior para mim era o nó da gravata (rs). Mas me tornei uma expert em pouco tempo.E lá ia eu, leva-lo e busca-lo.
 Ele aprendeu a fazer tudo com a mão esquerda, e não parou de trabalhar um só dia...
Foi um período de muito nervoso, de muita ansiedade, mas eu havia vencido mais uma pequena etapa.

Depois descobrimos que ele escorregou num tipo de gelo chamado "black ice", quer dizer, você não enxerga o gelo, mas ele esta ali... traicoeiro. Com isso, mais uma lição: cuidado ao andar no gelo.
Mais uma experiencia adquirida nos EUA. A duras penas. Depois disso, eu tirei a carta, e ai, ninguém me segurou... eu ia para todos os lugares, mas com a constante dificuldade de achar o Norte, Sul, Leste e Oeste (acho que nasci assim!).
Sou assim ate hoje, nasci sem direcão .


(na próxima , minha experiencia fazendo English as a Second Language um curso de Inglês para Estrangeiros, onde você encontra pessoas de todo lugar do mundo, uma experiencia única e fase maravilhosa! )

(na foto - eu em nosso condominio em Detroit).
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 25/07/2020
Reeditado em 25/07/2020
Código do texto: T7015918
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