A Vida na Vila

A Vila mudou, agigantou-se, efervesceu. Há vinte anos a Vila era vila e tudo corria desaceleradamente. Não é saudosismo, muita coisa melhorou. Mudou, como tudo muda.

A contradição da Vila é que, quanto mais ela cresce em agitação, mais isolados ficamos nós, os moradores, do resto da cidade. Para nada precisamos sair da Vila, e aqui circulamos, e aqui nos encontramos, entre cada vez mais estranhos, nos poucos quarteirões que definem a grande Vila. Rostos familiares, andares conhecidos, conversas repetidas, vamos seguindo com o jeito cada vez mais provinciano de se viver.

Há de tudo na grande Vila: lojas de franquia e lojas de preço fixo, serviços essenciais ou não, bancos, farmácias, muitas, igrejas de todos os credos, sacolões, mercados grandes e pequenos, escolas de todo tipo e grau, fábricas que empregam e demitem, as oficinas de fundo de quintal e as modernas, laboratórios, postos de saúde e de gasolina, restaurantes e lanchonetes, padarias, lotéricas para os esperançosos, cartório pra casar, funerárias pra enterrar, e uma subprefeitura que, por ser sub, resolve quase nada, mas está ali para nossos desabafos. E o que aqui não tem pode ser alcançado em poucos minutos.

Mas o que não tem na Vila que tem fora dela? Por aqui falta um lugar público de lazer, um parque com um lindo lago e pistas para pedestres e bikes, por exemplo. Mas isso tampouco existe além da Vila. E o passeio é caminhar percorrendo as avenidas planas, misturados a pseudo-atletas, a obesos determinados.

E o que tem a Vila que não tem além, e que a faz especial? Tem casas antigas, tem linha de trem, tem Luizão, tem gente antiga, tem cara conhecida, tem gente que morre de repente e gente que não morre nunca. Tem criança jogando futebol com gol feito de chinelos no meio da rua; tem jovem drogado e mocinhas solteiras e grávidas. Tem viúvas, costureiras e sapateiros, cartomantes e benzedeiras, pedreiros e carpinteiros, quem conserta bicicleta e quem vende mel, loja só de ovos, loja que vende de tudo por quase nada, a de presentes e a de embalagens, a pizza frita e o milho verde em todas as versões. Tem o Poupatempo e o banco da praça pra quem tem tempo de sobra. Tem a Justiça pra investigar e a Policia pra prender, separadas pela banca de jornal e seus habitués aposentados. Tem jogo do bicho e bichos pela rua, com ou sem coleira, ignorando limites e sujando sempre. Tem calçada irregular, buracos nas ruas, sacos de lixos lembrando o quanto ainda temos que nos civilizar. Tem terreno abandonado, sujeira acumulada nos bueiros, limpeza pública de menos. Tem pamonha, abacaxi e melancia gritados no fim de semana, e todo tipo de conserto feito em Kombi. Tem briga de casal que todo mundo vê, e tem casal que aqui se encontra pra ninguém ver.

A Vila não cresce em tamanho, só em movimento de pessoas e carros. Mas ela se modifica, no visual e no gestual. Casas antigas, prédios e terrenos abandonados vão dando origem a construções mais modernas - mas nem tanto -, afastando seus antigos moradores do coração da Vila. Muita gente vem à Vila para trabalhar ou consumir, e o perfil da Vila vai se modificando, mas só seus moradores se reconhecem. Nomes não são importantes, bons-dias e boas-tardes determinam quem aqui vive. Quem é da Vila anda a pé, compra no açougue do Guto, conhece os atendentes das farmácias e dos mercados, vai à igreja de Santo Antônio e sabe onde ficava o cine Joia.

Quem é da Vila vê a vida passar no ritmo do trem que atravessa suas veias, o trem que toda a Vila escuta, mas não ouve mais, pois já é parte sua, como se a ela só chegasse e dela jamais partisse.

(Vila Prado, 15 Março 2016)

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 26/07/2020
Reeditado em 02/08/2020
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