QUERO SER ENTERRADA NUM CAMPO DE MARGARIDAS
 
Quando cheguei  nos EUA  fiquei um pouco espantada com o modo que o povo Americano encara a morte. A morte para eles, é  uma verdadeira celebração.
Tudo é encarado de um modo muito direto. Agora, vocês perguntariam assim: “Então Americano é frio, sem sentimentos?” Não, nao é. Acredito que seja apenas o modo que eles foram educados e ensinados.

Primeiramente, o Americano aprende a ser auto-suficiente muito cedo. Muito cedo mesmo! Os pais dão responsabilidades, e eles se viram. Um dia estava na Livraria, e um pai com o filho ao lado. Então o menino, que deveria ter uns 5 anos no máximo, perguntou ao pai: “Pai o que é constelação”? O pai olhou para ele e começou a explicar: “Constelação é uma área definida da esfera celeste, um grupo de estrelas próximas ligadas por linhas imaginárias ...... e blah blah blah…” e o menino ficou o tempo todo olhando para ele com os olhos fixos. Nem eu entendi direito o que ele explicava.

Eles aprendem tudo muito cedo, lêem muito, tem tarefas especiais em casa, divididas. Acho muito bonito, embora não termos educado  nossa filha assim. Ela foi do estilo brasileiro mesmo . Daquele tipo assim: "Mãe, o que é   isso"? "Ah filha agora não posso, não enche o saco, mais tarde, ta?"
Mas admiro muito isso no povo Americano.

Pequenos, já pegam o onibus para ir para a escola, chegam e já acham sua classe sozinhos, fazem suas tarefas. Nossa, eu penso em mim que com 7 anos fiz o maior escândalo do século porque não queria ir para a escola. Chorava, tinha ataques, apanhava do meu pai quase todo dia. Minha mãe tinha que ficar no cantinho do corredor da escola , e se não a visse, fazia a maior gritaria! quanto misancene!

Agora… falemos da morte.

Primeiro que todos que morrem aqui (em sua  maioria) são embalsamados, e maquiados. Eles não ficam assim no fundo do caixão, como no Brasil, quer dizer, dentro… eles ficam na superfície, ou seja, o caixão aberto, mas o corpo fica como se estivesse flutuando.
O primeiro funeral que fui foi da mãe de uma amiga de Detroit. Fomos notificados e convidados. E lá fomos. Chegamos lá e a mãe já havia sido cremada, então foi uma cerimonia somente de lembranças. Cada um sobe no palco e fala da pessoa (ate que é  bonito) e na sala um monte de fotografias espalhadas por todo canto. Cada um falou dela, como ela era, lembranças felizes e algumas tristes. Depois da cerimonia todos foram para um Restaurante para almoçar. Era uma alegria que eu naquele tempo não entendia. Todos rindo, conversando, uma festa mesmo!

O segundo funeral que fui foi da mãe do Vice-Presidente, o Scott, onde eu trabalhava. Entrei, assinei o livro, e o Scott me viu e correu para falar comigo. Segurou minha mão e foi dirigindo para onde estava o caixão. Ali estava uma senhora muito bem vestida num conjunto branco, maquiada, e é  engraçado, parece que a pessoa esta mesmo viva e dormindo. Ai ele disse: “Você não acha que minha mãe esta bem?” E eu pensando: “Bem??? Huh? Não! Ela esta morta! mortinha...” Lógico que não falei, mas pensei.

Um dia meu marido contando que morreu a sogra do Gerente de Finanças que trabalhava com ele. No dia seguinte  que foram na casa dela e começaram a tirar as coisas de lá,  de repente acharam um potinho na mesa com as cinzas do sogro. Virou ele para a mulher e disse: “Essas são as cinzas de seu pai, você vai levar?” Ela disse: “Não, não quero isso não…” Pegou, saiu da casa, e jogou no Rumpke. O Rumpke eh uma grande lata de lixo que tem nos condomínios. As cinzas do pobre homem foram para o lixo!

No fundo eu gostaria de encarar a morte assim, sem histeria, sem escândalos. Morreu? Ta bom, morreu… mas infelizmente viemos de uma cultura diferente. Sempre vou me emocionar em enterros, mesmo sem conhecer a pessoa, ainda mais eu, que choro ate em programa de piada.

Ultimamente tenho recebido correspondências pelo correio assim: “Compre seu Funeral, neste envelope você encontrará diversos pacotes diferentes!
Então eles apresentam os diversos tipos de pacote.
1) Que musica você gostaria que seus amigos ouvissem?
2) Que salgadinhos gostaria que servissem?
3) Gostaria de que tirassem sua impressão digital e fizesse uma medalha, tipo  colar,  de lembrança para cada um da família?

Quando morrer, não quero musica nenhuma, nem quero que meus amigos comam salgadinho pensando em mim… eu mortinha ali e eles comendo coxinha com catupiri? Rindo, sem a minha participação? Nem quero que  ouçam uma musica, nadinha mesmo. Quero clima de saudade.

Quero que todo mundo MORRA de chorar, porque eu sempre amei muito a vida, e tenham certeza, se morri, foi totalmente contra minha vontade. Quero que digam assim: “Nossa, ela era tão boa!” (rs). "Até que esta bonita, né?" "Serena".

Então, depois que todo mundo me ver, e dizer um monte de coisas… “que linda” “tão conservada” “que judiação”… sem tirar aquele cordão dos arrependidos… “puxa, deveria ter atendido o telefone aquele dia que vi que era o numero dela” “nossa, faz tanto tempo que não a procurava” - então me cremem, ao som de “Always on my Mind” cantada pelo meu cantor country preferido,  Willie Nelson.

Mas não me joguem no Rumpke! Afinal eu valho alguma coisa. Quero que minhas cinzas sejam jogadas num campo de margaridas.

Todos vão pensar que estarão livres de mim! Mas vou fazer questão de florescer em toda primavera!
 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 28/07/2020
Reeditado em 29/07/2020
Código do texto: T7019768
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