O ABUSADO "PÉ-DE-PANO"

O ABUSADO "PÉ-DE-PANO"

O despertar do compadre Nezinho.

Chapter # 1

Autor: Moyses Laredo

O compadre Nezinho, é muito conhecido na comunidade da Reserva Extrativista Rio Jutaí. Jutaí é um município brasileiro do estado do Amazonas, na Região Norte do país. Localiza-se na microrregião do Alto Solimões e mesorregião do Sudoeste Amazonense. Só que o cumpadre mora mais afastado, não tem ramal, só de canoa pra chegar lá. Na sua comunidade, é conhecido como uma pessoa de boa índole, prestativo e até muito manso demais, para alguns. Estava amasiado com Vergona (quase vergonha), uma mulher que achou na Vila dos pescadores que morava num quartinho de estância. A “bicha” era arrumada demais, tinha uma ponta de rabo de fazer padre torcer o pescoço, ainda mais, quando botava os cabelos soltos, escorridos, livrando a pastinha da cara, passava a ponta da ponta do rabo, só andava se rebolando dentro daquele vestido, tipo de fazenda, todo colorido, última moda no sul, a macacada do bar, assim que ela passava, saía de dentro para acompanhar a Vergona, até sumir de vista. Mas, o que tinha de arretada, tinha de atrevida, os poucos homens que aventuraram montar nela, se arrependeram no primeiro pulo, era mandona demais, tinha histórias de surra que deu nos seus ex-companheiros. No cumpadre, dava ordens que nem num menino, não foram poucas, as vezes, que arremessou a enfiada de peixe de volta na cara dele, dizendo que não veio morar “mais” ele para ficar tratando de peixe, que se quisesse comer, que tratasse ele mesmo, ou, já trouxesse tratado. As cargas pesadas da canoa, ela nem triscava, dizia que podia quebrar suas unhas, só mandava o cumpade carregar, e rápido. O véi seu Armando, da mercearia, vizinho de cerca do casal, sempre aconselhava o cumpadre, “- Ômi, porque tu não reages, não vai demorar muito pra ela bater na tua cara! O cumpadre calado estava, calado ficava, como se estivesse resignado com a situação ou, não soubesse como era reagir, sorria e ia vivendo.

A muié, só vivia “trançando” pernas pela vizinhança. Um dia, deixou o feijão no fogo e saiu pra suas “voltinhas”, quando retornou, só encontrou uns caroços pretos na panela e um imenso buraco no fundo. Ainda reclamava! ...mandava o cumpadre Nezinho sair e trazer outra novinha. Dizia ele, com a voz bem baixinha: “- Mas como muié, a cidade é longe demais”, - “Te vira, só volta aqui com uma panela novinha em folha”.

Todos que o conheciam, apreciavam a “mansidez” do homem. O pobre do cumpadre se encantou com a muié, de tal jeito que só tinha olhos pra ela, quando saíam, andava atrás dela, como um burro ensinado, se ela parasse ele parava também. O cumpadre sempre muito trabalhador, saía de casa ao amanhecer e voltava a boquinha da noite, não esquecia dos mimos pra sua cabôca como a chamava. Na vendinha era conhecido, porque sempre pedia a novidade que tivesse para levar pra ela.

Um belo dia, sempre tem isso nas histórias, ele achou de vir mais cedo, não sabe como, mas deu nele uma vontade, que o coração apertou, chamando de volta pra casa, dizia ele que ouvia baixinho no pé da orelha, “Nezinho, Nezinho, volta pra tua casa agora! Não teve jeito, - “Quer saber, eu vou, se tão me chamando, deve de ter acontecido alguma coisa com a minha “cabôca”. Largou tudo e se mandou, acomodou os trecos na canga do muar, montou e deixou ele andar sozinho, enquanto enrolava uma “palhinha”, sua montaria sabia o caminho de volta, de tantas vezes que ia pro roçado “mais” ele. O Nezinho estava fazendo um roçado paidégua de grande, daqueles de duas quadras, coisa de 200 por 200 braças, de roçados e cultivado sozinho, tudo de milho, a safra deste ano tava bem de preço, ia dar uma melhorada na propriedade dele, queria o melhor pra diaba da muié.

Ao chegar em casa, entrou pelo curral, deixou o muar amarrado na sombra do cajueiro, tirou as cangas, carregou pro barracão de baixo, ajeitou na trave das selas, quando estava arrumando os trecos, sentiu o cheiro de peixe frito vindo do fundo da cozinha da casa dele, coisa de uns 30 metros ou mais. – “Mas que diacho é isso? A muié não gosta de peixe, não me avisou nada que ia fazer peixe, ainda mais frito?...como ela dizia que deixava uma catinga medonha nas roupas, por ela nem queria chegar perto por causa do cheiro, e agora, vem com essa agora? Saiu de mansinho, só queria ver a cara dela, que tanto esculhambava os seus peixes. Se esgueirou por trás das bananeiras que faziam sombra no terreiro, ao lado do jirau, subiu a curta escadinha de madeira, e quando adentrou na cozinha, parou de espavento, tinha um sujeito na sua cozinha, era um paidégua dum macho, sem camisa, só de cueca, rebolando na frigideira de arado, um enorme jacundá, também conhecido como nhacundá. De tão grande que era, que a calda ficava de fora do disco, e o pior, ele que tinha pegado a peixa de manhã cedinho, antes de ir pro roçado, vendo aquilo, se revoltou mais, e para completar o sujeito cantarolava uma música do Reginaldo Rossi, todo contente, rebolando os quadris segurando a escumadeira de virar a peixa:

“Hoje é o dia do corno;

Foi bom te encontrar;

Vamos tomar um bom porre;

Pra comemorar;

A mulher que você ama;

Eu amo também;

Pelo que eu sei;

Ela já enganou mais de cem;

Até um galã de novela;

Quem dela gostou;

Tornou-se um pobre coitado;

Que ela arrasou;

Contigo fez gato e sapato;

Do teu coração; ...”

No espanto, Nezinho até chegou a pensar que não estava em sua própria casa, correu as vistas pros lados, como que quisesse mesmo se certificar, se era de fato a casa dele, enquanto o sujeito, sem tirar o pito do bico, frigia a peixa. Foi então que ele, num lance, se virou pro lado e viu o cumpade ali parado, estatelado, confuso, olhando aquela presepada toda, ainda sem entender o que o sujeito estava fazendo na casa dele. O pé-de-pano, sem cerimônia, ainda emendou com mais essa. “- Se achegue ômi, venha comer mais eu, o peixinho é grande, “onde come um come dois”. Sabe que na hora que ele disse isso, pensou de pronto na sua mulher, essa história de “onde come um come dois”, correu nele como um raio e deu um arrepio do pé do pescoço ao final do espinhaço. – “Será que esse desgraçado está também se lambuzando com a minha muié? Só pode, se não, ele não estaria todo serelepe na casa dos outros”. Nessa altura, o sangue do cumpade Nezinho “freveu”, pela primeira vez na vida ele sentiu isso, olhe que já viveu foi muito, passou um tempo no garimpo, até já lhe roubaram o ouro, de seis meses de mergulho com aquela infernal roupa de escafandro no rio Abunã, viu muitos amigos morrerem afogados, mas nunca tinha sentido isso, que agora lhe deu, pensou, esse não sou eu, involuntariamente se viu já com a mão no facão, que sempre levava na cintura, segurou bem firme o cabo e não viu mais nada, só lembra vagamente que lascou em riba do pescoço do pé-de-pano, que acusou logo a lapada com um horripilante grito de terror, depois daquilo, o pé-de-pano, se sentou já suspirando com dificuldade, só perguntava de olhos esbugalhados, olhando pro cumpade, repetindo, porquê?, porquê? O escândalo foi enorme, a Vergona saiu de dentro do quarto, só de camisola, cabelo assaranhado, quando viu a cena, passou a gritar, assassino, assassino, se jogou em cima do já defunto, de vez em quando olhava pro cumpadre com ódio mortal, vendo o seu amante estirado no chão, ainda se estrebuchando, juntou o facão e partiu pra cima do cumpadre com a mesma fúria de sempre, como fazia com as enfiadas de peixes, mas, desta vez deu errado, foi parada no ar com uma violenta lapinguachada de volta, o cumpadre acordou, ela deu de cara no chão, ele botou ela entre as pernas dele e deitou-lhe porrada, até dizer chega. De repente o pessoal da vizinhança chegou. O cumpadre pensou, tava feita a desgraceira toda, agora seja o que Deus quiser. Depois, veio a polícia, e levou todo mundo para se explicar ao delegado. O cumpadre acabou não dizendo nada, era tímido demais, ficou sozinho na sala pensativo junto com alguns curiosos que acorreram ao local, depois dos gritos da Vergona. Acabou que toda Vila também estava presente na delegacia.

Uma briga do cumpadre era novidade, aquele homem tão manso, não acreditaram que ele tinha feito aquilo, mas como? ele nunca faria uma coisa dessa, ainda por cima, estavam dizendo que ele lutou e matou o pé-de-pano para defender a sua mulher do ataque do tal ladrão. Ninguém queria acreditar nessa história, o cumpade não era pessoa de fazer mal a uma mosca, a mulher dele sim, merecia essa surra e muito mais, o seu Armando foi o primeiro a apontar o dedo pra ela, acusando-a de se rebolar à toa, pra chamar a atenção de todo mundo. A treta acabou se virando pra cima dela, que por estar com a boca inchada não podia falar. Um grupo acusou-a de ter provocado a morte do pobre homem. Foi ela sim, só ela é que seria capaz de tamanha atrocidade. Outras mulheres reconheceram o homem e já diziam ser o mesmo “ladrão” conhecido que tinha “entrada” nas suas casas, e foi surgindo mais “vítimas” do pé-de-pano, parece que o tal “ladrão” tinha passado a régua na mulherada da Vila, cada uma aproveitava para se justificar com os seus maridão, que já estavam com a pulga atrás da orelha. As senhoras, esticavam o dedão pro coitado, que a essa altura estava esfriando na pedra da delegacia, pra onde fora levado seu corpo.

O delegado em cima do conflito, deu o seu veredito, sabia que foi o cumpadre Nezinho quem matou o pé-de-pano, mas, que foi o pé-de-pano quem deu a surra na Vergona, e o cumpadre, chegou na hora e deu um fim no cabra, pronto, o caso estava resolvido, foi legítima defesa de terceiros como disse. Desse dia em diante a Vergona, se tornou a melhor mulher da Vila, parou com as saídas e passou a cuidar da casa, como ninguém aprendeu a fazer um peixe, que ganhou das melhores cozinheiras do pedaço.

Molar
Enviado por Molar em 11/08/2020
Código do texto: T7032830
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