Número 5

A cerveja chegou primeiro. Tentava não pensar no tempo, afinal, o que seriam os 5 minutos de atraso comparados aos 5 meses de uma longa espera? O primeiro gole que desceu gelado foi tomado com o propósito de atenuar o calor das borboletas que já reviravam o estômago.

Até que o 5º gole finalmente abriu as portas para os dois primeiros sentidos que seriam explorados naquela noite: Ela o viu chegando todo tímido e logo escutou a voz que já soava há um tempo de maneira bastante familiar.

Seguindo o protocolo de um bom encontro, o recebeu com um sorriso, um beijo no rosto e um abraço receptivo somados a curiosidade e a expectativa do que a noite reservara: sim, o pequeno manual das 5 boas maneiras de um primeiro “date".

Cumprimentos trocados, cadeiras também trocadas.

Nas duas extremidades da nova mesa quadrada, o alcance abarcou os olhares que enfim se encontravam ainda desalinhados e confusos. Ele era mais adepto a razão, ela, ao coração, mas por algum propósito a linha temporal da vida os colocou frente a frente, e assim aconteceu.

Olho no cardápio, bebida escolhida, garçom atuando como coadjuvante e um pequeno resumo sobre as primeiras impressões pós-chegada.

"E aí? O que você tá achando disso tudo?"

“Minhas expectativas foram superadas!” – riam como velhos conhecidos.

A narrativa seguia em curso de desenvolvimento quando a mesa recebeu o realce de duas canecas glaciais. Na altura do campeonato já não havia a contagem dos goles, dos meses e muito menos do tempo.

"Brindamos a quê?"

"Brindamos a nós dois."

5 meses transformados em algumas horas daquele bar que tinha a cara deles. 5 meses personificados num turbilhão de "feelings".

Entre a intimidade até ali construída e a sintonia planetária dos mapas de fogo, a timidez foi dando vazão ao jeito engraçado, e por que não dizer carinhoso, de tratar o outro.

Num súbito momento de afeto, tocaram as mãos e o tato respondeu à chamada da noite. Ali foi possível perceber que não mais existia uma rede de dados virtuais que os separavam do "real".

“Não dá pra fugir dessa coisa de pele”, já diria o saudoso sambista...

“Como um desconhecido poderia ser tão conhecido?” – Quisera ela ser a narradora onisciente do conto em questão só para saber o que se passava na mente dele. Limitada, porém, à posição de narradora-personagem, seguia assimilando as etapas conseguintes da história que tomava corpo e autonomia.

Saíram do bar e não demorou muito para que o olfato entrasse em cena: o cheiro do perfume, da roupa limpa, da pele...

O paladar, que já havia sido utilizado para fins de degustação do caldinho de feijão, apareceu dessa vez no formato do beijo que selou o momento ápice do encontro. Beijo roubado no banheiro, beijo entregue na "varanda do mar".

5 meses de espera para o deleite dos 5 sentidos tão almejados. Já dizia Vinícius de Moraes que "a vida é a arte do encontro", e aquele encontro foi uma arte da vida.

Os pés seguiram no chão, mas nada impediu, naquela noite, de olhar para cima e ver as estrelas.

E como tem sido lindo observar as estrelas.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 16/08/2020
Reeditado em 16/08/2020
Código do texto: T7036692
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