Divagações sobre a Aposentadoria

Quando a gente se aposenta, parece que haverá uma mudança muito drástica na nossa vida, seja pra melhor ou pra pior. Nos últimos anos de trabalho, tem-se a expectativa de que a aposentadoria nos proporcionará mais tempo e ao mesmo tempo toda a disposição para fazer as coisas que não se pode fazer quando se trabalha, ao menos não com a frequência que se deseja. Acontece que parece ser uma lista enorme de prazeres que deixamos de ter enquanto trabalhamos, mas na hora H ou eles não são tantos assim ou não se trata de prazeres tão grandes assim. Isso é típico: a gente deseja mais aquilo que não se pode ter, e quando o tem, percebe que não o deseja tanto assim.

Para mim, a aposentadoria não trouxe a depressão, como acontece com muita gente. Graças a Deus! E muita gente até apostava nisso, dado que eu era uma profissional entusiasmada, dinâmica e bem-sucedida na minha área. Por tudo isso até continuo trabalhando um pouco, e ainda não concluís se isso me dá prazer ou se me angustia por não me desligar definitivamente daquele passado. É que não tenho certeza se quero isso, Está bom assim. Posso dizer muitos nãos, e posso gozar da companhia de bons amigos que fiz na vida profissional. O não dever parece ter me dado mais competência para certas tarefas, e isso tem me dado certo prazer. O fato é que ainda não senti aquele prazer da falta de obrigação aliada ao prazer de fazer algo que só agora pode ser feito. Tenho feito muitas coisas, novas e antigas atividades, algumas manuais e artesanais, outras artísticas, outras intelectuais e culturais. Ou seja, posso dizer que meu cotidiano hoje é muito mais pleno do que antigamente. Hoje, terminar um trabalho de crochê pode ser tão importante e prazeroso quanto ter um artigo científico aceito para publicação num congresso internacional de renome. Evidentemente, aos olhos de muitos, isso me classifica como pessoa idosa. É melhor que não me importe com isso, pois esse é apenas o começo da minha nova fase.

Acontece também que hoje já não me atraem tanto aqueles programas que queria fazer quando tinha menos disponibilidade. Hoje minhas preferências de fato incluem coisas que idosos fazem, mas também outras de que me orgulho e não quero deixar de fazer, como ir ao cinema, ler bons livros e escrever, como faço agora. Sempre tive os amigos do trabalho e os amigos sociais, sem intersecção. Esse meu lado mais cultural e intelectual devo aos amigos da Universidade, Agora, que tenho mais tempo para essas atividades, perdi aquela interlocução. Para os amigos sociais, devo soar como arrogante, pareço ser a única mulher a ter opinião própria e minimamente elaborada. Nessas horas penso que é uma pena, para eles e para mim, que não tenhamos os mesmos gostos. Mas a diferença também é esclarecedora. Acabo por me questionar se essa importância de fato cabe na minha relação com eles. Se cada um não tem direito a escolher seus hobbies, sem que isso interfira no seu relacionamento com seu grupo social.

Muitas vezes me surpreendo quando descubro novas facetas de meus amigos. Algumas me fazem admirá-los ainda mais, ao mesmo tempo em que me mostram como sou pretensiosa quando os julgo diferentes de mim. Todos nós temos do que nos orgulhar de nós mesmos, assim como do que nos envergonhar. Às vezes tenho atitudes das quais me arrependo. Sem essa de “nao me arrependo de nada”! Me arrependo, sim! Tento contornar de algum modo, mas muitas vezes duvido que funcione. Tenho impressão de que minha imagem para muitos dos meus amigos é bem pior do que gostaria que fosse. Mas essa sou eu, feliz ou infelizmente.

Acabei divagando e pergunto o que tudo isso tem a ver com a aposentadoria. É que tenho mais tempo para me preocupar com isso agora, para pensar sobre meu mundo anterior, o atual, o meu papel em cada um deles. Pensando bem, essa talvez seja a diferença: quando ativa, podia identificar facilmente qual era meu papel naquele sistema. Hoje já não sei qual é o meu papel atual, a menos que queira defini-lo como um conjunto de tarefas que supostamente devo cumprir. Não é isso. Refiro-me a algo além disso. Como eu me situo hoje perante os outros e perante mim mesma? Que papel posso me atribuir para que minha vida continue a ser importante? Para mim ou para alguém.

(24 Janeiro 2015)

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 17/08/2020
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