Terceira maçã 🍎🍎🍎

Nunca achei que um fim fosse simbolizado por uma fruta. Muito menos o nosso fim. Tinha tantas outras coisas pra simbolizar isso. Mesmo que eu ainda não tivesse pensado em nenhuma. Da outra vez eu estava em um dos bancos do metrô e tinha que encarar um dia todo de trabalho sem absolutamente nada no estômago a não ser angústia. Lembrei que tinha uma maçã na bolsa pra enganar a fome. E que eu tinha a colocado lá justamente na perspetiva das coisas não darem certo. Era o que minha intuição já dizia. Não deu!

Eu precisei segurar o choro, porque ali não era local pra chorar. E a cada vez que fazia isso eu contraia ainda mais os músculos da barriga, já não sabia mais o que era angústia, pedaços de maçã em um estômago vazio e a minha urgência em se forte em colocar algo no estômago mesmo que soubesse que aquilo aumentaria ainda mais meu apetite.

Ontem a noite me vi cortando uma maçã de frente ao espelho, eu não me reconheci. Ali eu poderia chorar o quanto quisesse, mas baixinho pra não acordar ninguém do quarto ao lado. Eu nunca quis que me vissem chorando. Senti meu estômago embrulhar por estar vazio, via minhas lágrimas sobre o espelho e foi aí que me lembrei ao comer aquele primeiro de pedaço de maçã, que não era a primeira vez que eu fazia aquilo chorando. E nem a primeira vez que eu causava tanto mal a mim mesma. O segundo pedaço que cortei, ainda me lembrando do dia do metrô, caiu sobre o chão. Eu lembrei de você me dizendo rindo quando algo caia e me contava algo:

- confirmou!

Sim, foi aí que entre um soluço e outro eu percebi que não poderia haver uma terceira maçã. Já tinha sido doentio demais tudo o que eu havia causado a mim por insistência. Percebi que era o mesmo o fim. Depois da primeira maçã eu até tentei e você sabe o quanto. Eu fui atrás e insisti, queria nos dar uma segunda chance. E aconteceu depois de muito tempo eu estar novamente ali com aquela segunda maçã. Tendo certeza que eu não poderia voltar atrás, não deveria mais insistir. É insano, como você mesmo diz. E eu digo, é me maltratar demais. Passei o dia inteiro me maltratando pra comer uma maçã e achar que estivesse de fato me alimentando. A enxaqueca já tomava conta de mim naquele momento. Me olhei novamente no espelho e assim secando as lágrimas para tudo parecer menos feio, eu prometi a mim mesma que não haveria uma terceira maçã. Eu não voltaria atrás da minha decisão por insistência minha e muito menos por qualquer palavra sua. Foi de fato o reconhecimento de que não haveria de ter nem uma segunda maçã quem dirá uma terceira.

Mas eu quis provar do próprio veneno. Naquela mesma noite eu descasquei uma terceira maçã. Só pra ter certeza que eu não voltaria atrás para comê-la mais tarde a algum dia, e que tudo haveria de terminar exatamente ali, sem futuras expectativas ou quaisquer chances.

Naquela noite eu mesma me envenenei e tomei o antídoto, antecipei a dor de uma terceira maçã. Sabendo que o que eu não deveria ter feito, era realmente nunca ter comido a primeira.

Byanca Gon
Enviado por Byanca Gon em 17/08/2020
Reeditado em 14/09/2020
Código do texto: T7038213
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