O salto fracassado.

Através de um panfleto que recebeu na porta da sua escola, Adalberto, um jovem estudante do ensino médio, último ano, ficou sabendo que alguns dos cursinhos de pré-vestibulares mais famosos da cidade promoveriam um grande teste a ser realizado no Estádio do Maracanã para todos os interessados em bolsas de estudo com até 100% de desconto.

Ele decidiu de última hora que faria o teste. Na manhã de sábado levantou-se da cama logo cedo e partiu para o estádio levando uma caneta Bic azul no bolso, era o recomendado. Tomou um ônibus perto de casa e, depois de alguns minutos, desceu na estação ferroviária. Ao embarcar no trem segurou na primeira chupeta livre que encontrou e acomodou-se diante da janela aberta ao lado da porta, seguiu viagem em pé admirando a mudança da paisagem.

Quando a composição deixou a estação, Adalberto reparou que uma turma de rapazes, presepeiros e insolentes, colocou, impunemente, uma pedra em cada uma das duas bandas da porta aberta ao seu lado para mantê-las travadas e com a passagem livre. Em pé, aglomerados no vão vazio, eles se equilibravam segurando na calha do lado de fora sobre a porta. Todos tinham o olhar atrevido e arrogante, mas em nenhum momento faltaram com o respeito aos outros passageiros. Na maior parte do tempo faziam graça uns com os outros, riam impudentemente e chamavam a atenção pela descontração e a alegria.

Passadas três estações, na quarta a plataforma surgiu novamente do mesmo lado onde o grupo estava reunido. Na medida em que a velocidade do veículo diminuía, um deles, em cada uma das duas extremidades da porta, foi se ajeitando para saltar. Envolvidos por uma leve tensão, pularam antes mesmo de o trem parar em definitivo. O jovem estudante, atento, admirou a proeza dos dois rapazes que saltaram, muito por conta da leveza dos seus movimentos. Vou tentar explicar: quando alguém, segurando no portal da porta, inclinado para fora e com o olhar fito no primeiro vagão - o do maquinista -, ao se lançar de lado para a plataforma com a composição ainda se deslocando, a inércia, dependendo da velocidade, forçará o sujeito, ao pisar no chão, dar um ou dois passos à frente acompanhando o veículo. Fácil, se a posição de queda for esta, de frente, e permanecer de frente. Mas os dois saltaram de frente e caíram de pé na plataforma já virando as costas para o maquinista, a inércia, óbvio, obrigou-os a darem um passo ou dois para trás, e com que suavidade e segurança eles fizeram isso. Notável! Parecia tão simples e fácil... O orgulho com o acerto do movimento logo mudou a postura de ambos, e quando subiram de volta para continuar a viagem, apresentavam aquele ar típico do fanfarrão, como se um e outro tivessem acabado de conquistar as duas mulheres mais cobiçadas do vagão.

A cada vez que a plataforma surgia daquele lado da composição, outros dois logo se preparavam para saltar. Apesar do risco evidente, e talvez fosse esse o motivo da tensão, o salto e o desempenho de cada um, ganhava em brilho e causava admiração. A fanfarronice, por sua vez, mostrava ser uma característica própria daquele grupo.

Registre-se aqui, de passagem, que, apesar do interesse pelo salto, as pessoas assumiam naturalmente o ar da indiferença. O desejo coletivo era não encorajar qualquer outro jovem a se arriscar para tentar fazer o mesmo.

Bastou um piscar de olhos e o veículo já estava correndo ao lado da estação Maracanã, Adalberto então se achegou à porta o mais próximo possível porque queria ver, bem de perto, os dois últimos saltarem, e conseguiu. Saiu da plataforma caminhando tranquilo direto para o local de acesso preestabelecido para a prova, quando chegou, tinha o olhar concentrado e o coração sereno, apresentou sua caneta e recebeu o kit de teste mais o número da cadeira onde haveria de se sentar. A prova, com duração de duas horas, teve início no horário marcado. E foram sendo devolvidas de acordo com o desempenho de cada um. Adalberto entregou a sua pouco antes de terminar o tempo regulamentar; quando ouviu a sirene disparar, já estava com o pé na rua. Pelo fato de estar sozinho, sem a companhia de um amigo ou conhecido para conversar, decidiu pegar o transporte de volta o quanto antes. No percurso para a estação ferroviária foi cercado e assediado por um grupo de pessoas que entregavam panfletos de cursinhos preparatórios e de escolas particulares no entorno do estádio; impedido de furar o cerco, constrangeu-se a estender a mão e pegar um prospecto de cada um à sua volta, única condição de passe livre. Inusitado foi cruzar com grande número de grupos agindo dessa forma combinada.

Só depois de entrar no vagão e sentar-se, foi que ele deu-se conta da enorme quantidade de material impresso que havia recolhido naquele pequeno trajeto. Olhou em derredor, como não viu lugar apropriado para livrar-se do fardo, resolveu esperar até encontrar uma lata de lixo pelo caminho. A composição correu sem contratempo, a sua plataforma de destino já era a próxima parada, ele, então, decidiu caminhar até o outro vagão onde desceria diante da escada de acesso à roleta de saída da estação, porém, encontrou uma porta aberta no meio do caminho e foi vítima de uma ideia mirabolante que, já, já vou lhe contar.

Você se lembra da turma de presepeiros na viagem de ida, que pulavam para a plataforma antes mesmo do veículo estacionar? Nosso jovem estudante também se lembrou deles, e, pior, propôs-se a emular o feito. Quando o trem iniciou a corrida em paralelo com a plataforma, ele já se encontrava no vão da porta aberta com o pé de apoio posicionado exatamente no limite do batente, a mão direita, que segurava firme no portal, mantinha o corpo suspenso e inclinado para fora do vagão, a mão esquerda levava o canudo de papel inútil agarrado entre os dedos, só faltava a composição diminuir a velocidade para ele saltar em segurança. Olhou para o chão escoando ao lado dos seus pés e avaliou que estivesse suficientemente lento, considerou seguro saltar, saltou. E já caiu virando as costas para o maquinista, exatamente como viu os rapazes fazerem mais de uma vez.

A queda inesperada foi, digamos, espetacular! Mais parecia uma tomada de ação em Hollywood. Braços e pernas foram lançados para o ar na medida em que o corpo voava de costas antes das nádegas atingirem o chão, a resma de folhas foi arremessada para o alto tal qual adereços de carnaval em plena avenida, o que proporcionou um efeito especial à cena cinematográfica. Adalberto parecia aquele animal marinho cheio de tentáculos rolando no chão de costas sem parar. As pessoas dentro do vagão que o viram saltar testemunharam tudo, e de camarote! O tombo, as voltas desenfreadas, os prospectos soltos planando ao sabor do vento... tudo afinal. E, já na primeira cambalhota, ouviu-se alto e plangente o som das interjeições sofridas de lamento e espanto dos passageiros: Vixe!.. aqui, Hum!... acolá; na segunda, de novo, aqui: Meu Deus!... acolá: Nossa Mãe!... Teve quem meteu a cara na janela, assim como teve quem apontou e gritou pra chamar a atenção dos que não estivessem atentos: Alá, alá, alá... O alarido foi sem igual, não havia comparação.

O trem estacionou ao mesmo tempo em que Adalberto, depois de três voltas seguidas, parou sentado com o olhar esgazeado de espanto; foi com agilidade e algum esforço que levantou o traseiro do chão pra ficar de pé; por instantes o mundo parou ao seu redor e a risadagem era o único som audível que chegava aos seus ouvidos naquele instante; não olhou para os que embarcavam, muito menos para os que desembarcavam, abaixou a cabeça envergonhado e saiu em disparada, numa corrida desengonçada e sem estabilidade, pois estava um tanto desnorteado após os rolamentos de costas consecutivos. Com a cabeça em turbilhão e sem o pleno controle do próprio corpo, subiu a escadaria com as pernas parecendo desconjuntadas, e avançou os degraus de dois em dois e até de três por vez, sem cair. Conseguiu. Pensa que ele parou no topo pra recuperar o fôlego? Que nada! Transpôs a roleta feito um raio e continuou correndo sem parar, nem precisou do ônibus pra chegar à sua casa. Aprendeu a lição, o coitado, e prometeu jamais tentar melhorar o salto fracassado.

Dilucas
Enviado por Dilucas em 19/08/2020
Reeditado em 06/08/2023
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