Anônimos

Ao bater a porta, ele deixou tudo para trás, como se pudesse aprisionar naquele quarto impessoal de motel uma noite que agora já era passado e lá, deveria permanecer escondido até ser completamente esquecido.

Ainda ecoavam no silêncio do amanhecer os gritos e gemidos da insana

madrugada, no corpo latejavam os arranhões e mordidas, souvenires de uma épica batalha pelo prazer.

Não, não parece sem nexo, basta não superestimar nem querer interpretar, não houve amor, sequer paixão, foi apenas e tão somente sexo, e do bom.

Os sentimentos foram despidos com as roupas e se embolaram confusos e sem sentido pelo chão, mudos espectadores sem direito a intervenção..

Na cama, em chamas, imperavam o desejo, a volúpia, a lascívia e tesão.

Membros se digladiavam, enfrentando-se num frenético embate por espaço,por poder, por domínio. Prazer e dor se confundiam e não podiam ser dissociados, desejos ante ocultos afloravam naturalmente, sem questionamentos ou explicações, mero exercício da libido sem restrições.

Sem regras , sem papéis definidos, sem suposições, simples gradações do frenesi, como um vulcão prestes a entrar em múltiplas e convulsivas

erupções.

Espelhados , os amantes não viam o outro, eram adversários e aliados em busca do Graal do êxtase, nada existia além dos corpos fundidos e

encaixados.

Saliva, suor e sangue. Mãos, pernas, bocas e dentes.

Uivos a uma lua ruborizada que tentava esconder entre nuvens de censura suas curiosas estrelas.

Tanta loucura encerrada em um átimo de gozo.

Uma explosão, um jorro de lava, fluidos que se mesclam e se perdem no irregular relevo formado.

O êxtase já é história, ficou para trás, o presente se renova a cada passo e está cada vez mais distante da porta, não existe bagagem, ele caminha leve, sente exorcizar os fantasmas e enviá-los com uma moeda a Caronte para a travessia do Styx.

O dia começa a nascer e o sol anuncia o futuro, as lembranças escorrem pelos bueiros e esgueiram-se pelas vielas, logo ela acordará sozinha no quarto e por um instante, confusa, não saberá se foi real ou apenas um sonho até ver o bilhete na mesa de cabeceira e só ter a certeza de que não quer lê-lo.

Ello
Enviado por Ello em 22/08/2020
Código do texto: T7043596
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