Facetas do Destino

Por Nemilson Vieira (*)

Como funcionário da Agência dos Correios em Diamantina, o seu João César de Oliveira retornava das entregas de correspondências pelas cercanias do lugar. Ao começar a chover, buscou abrigo na casa de um conhecido seu; onde se deu o suposto diálogo abaixo:

— João, sê já sabe do sucedido?

— Conta logo compadre, essa novidade!

— A sua noiva fugiu de casa, noite passada, com um sujeito aí da cidade.

— Bem que eu vi: ela andava muito estranha comigo, ultimamente!

A partir desse desando sentimental, o entretenimento do seu João com as serestas e bebedices, por certo intensificou-se.

Em alguns momentos, há de ter-se recolhido no seu silêncio…

Ainda assim era visto pelas ruas, praças e bares da cidade, jogava conversa fora; bebia uns goles de bebida a mais.

O seu destino passou a ser meio duvidoso;

parecia que o mundo havia desabado sobre si, depois do drástico acontecimento que lhe veio.

“Quem tem muitos amigos podem congratular-se”… — Bíblia.

Não devia faltar-lhe ombro e bons conselhos.

— Arrume uma boa moça que o ame verdadeiramente; assim não o abandonará nunca; deixe essa bebedeira.

Se continuasse a aprofundar-se naquela vida errante o seu fim seria a ruína…

“Na multidão de conselheiros há sabedoria”… — Bíblia.

João César deu de pôr assunto naquelas sábias orientações que ouvia. Uma boa direção devia tomar. Precisava recuperar-se. Iria lutar pelo leite derramado. Afinal “a vida é para os fortes”.

Se o problema entristeceu o seu caminho, a sua força e garra, para vencer os desafios, trouxeram-lhe o sol de volta.

Casou-se com D. Júlia, moça séria e dedicada, de família humilde. Como professora percorria a pé consideráveis distâncias para lecionar.

Pelo jeito viviam tão bem que não era de duvidar ter nascido um para o outro; umas rusgas haviam de ter.

Dessa união tiveram três filhos adoráveis: Juscelino (Nonô), Maria da Conceição (Naná) e Eufrosina, que falecera em tenra idade.

Curtiu muito pouco o filho e este, não teve o pai ao seu lado por muito tempo, para acompanhar o seu crescimento e trajetória de sucesso.

Certa vez, Juscelino fez uma revelação surpreendente sobre o pai, numa entrevista que não me lembro qual a revista publicou isso. Quase assim:

“lembro-me do meu pai quando ficou isolado do nosso convívio devido a uma lepra — hoje hanseníase; eu tinha uns três anos de vida. Quando íamos com a mamãe, visitá-lo, eu corria na frente para abraçá-lo, mas não me permitiam ficar com ele: logo eu era interrompido disso. Lembro-me de uma multidão que o conduzia na rua da minha casa para a sua última morada…”.

João César pressentiu que não sairia com vida daquele terrível mal. Vendo as cortinas da sua existência se fechar orientou à esposa:

'Tenho duas mudas de roupas mais conservadas, me vista com a melhor delas para o meu enterro.'

Com poucos dias, depois disso, assim fora feito…

Naquele tempo os pais sonhavam pelos filhos; se empenhavam ardentemente em que os mesmos seguissem a carreira de clérico, de advogado ou de médico.

O ofício do religioso tinha um peso maior; "por acharem a vida de padre santa e bonita". — Alguém escreveu.

D. Júlia se encarregou de matricular o seu garoto num seminário católico. Para a alegria de todos: teriam um padre na família.

Isso não pôde acontecer: tempos depois o seu rapaz deixou claro à instituição católica que, não levava jeito para aquilo.

Confirmou também à sua mãe a surpresa desagradável a ela, de não continuar tais estudos. Não iria usar batinas e nem dizer missas: “Não tenho vocação para a vida eclesiástica”. — Disse.

Imagino o quão doloroso foi para aquela mãe saber disso.

Fiquemos com o que escreveu Machado De Assis: “Antes um padre de menos que um padre ruim”.

Resoluto, Juscelino rumou para capital mineira… Com 200 mil réis; montante proveniente da venda da única joia que D. Júlia havia recebido de herança.

Em Belo Horizonte, o seu primeiro ofício foi como telegrafista dos correios.

Posteriormente, tornou-se médico e entrou para a Força Pública Mineira, hoje Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG).

— Eu soubera disso, numa visita que fiz ao Museu JK, ano passado, em Brasília.

Na política foi prefeito da Capital, Dep. Federal, Secretário de Estado, Governador…

A barragem da Pampulha rompeu-se no ano de 1954.

A fúria das águas foram tanta que levou embora inúmeras aeronaves estacionadas no Aeroporto Tancredo Neves. — Que fica logo abaixo da represa.

Eu vi as ruínas de uma ponte atingida por esse incidente; as suas ferragens foram rasgadas como papel.

Juscelino ainda em cargo majoritário providenciou a construção de uma nova barragem no mesmo lugar da anterior. — Para segundo ele, “não mais se romper”.

Conta-se que, na referida edificação, uma carreta, só dava conta de transportar uma única “pedra” em cada viagem que realizava.

Juscelino também impulsionou o turismo local e mundial, ao construir no entorno da obra, o Complexo Arquitetônico da Lagoa da Pampulha; hoje, tombado pela ONU, como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade.

Como se isso fosse pouco, Juscelino deu de escrever e, como tudo que fazia se dedicava virou escritor.

Publicou obras literárias de grande relevância (histórica e outras) como, “Porquê Construí Brasília”, “Cinquenta Anos Em Cinco” e outras.

Tornou-se Membro da Academia Mineira de Letras.

Queria mais…

Já como chefe da Nação concorreu a uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL), e em três votações apertadas perdeu a cadeira para o escritor goiano, Bernardo Élis.

Numa ocasião disse que, era mais fácil ser Presidente da República do que acadêmico, em tal instituição literária.

Conforme a “profecia” de João César de Oliveira, o seu filho Juscelino K. Tornou-se Presidente da República Federativa do Brasil. Para o orgulho e a grandeza da nação brasileira.

Convidou dois amigos: Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, para construírem uma nova Capital Federal para o seu país, nos ermos de Goiás. Seria mais segura dos ataques inimigos…

Cumpriram com denodo os enormes desafios que enfrentaram e eis que tudo se fez novo: Brasília tornou-se uma das capitais mais modernas do mundo.

Em 1960, na sua inauguração, perante um mar de pessoas que não se podia contar, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Presidente do Brasil, cantou abraçado com a mãe, D. Júlia kubitschek, “O Peixe Vivo”. — Uma das suas canções mais preferida; um hino na voz do povo.

Como pode um peixe vivo/ Viver fora d’água fria — Bis.

Como poderei viver/ — Bis.

Sem a sua, sem a sua/ Sem a sua companhia...

*Nemilson Vieira de Morais

Gestor Ambiental, Acadêmico Literário.

Nem1000son@gmail.com