E tudo foi exatamente como eu não planejei - Raul Franco

O meu último vídeo que eu lancei no youtube se chama O MEU NADA. E estou adorando ler algumas impressões acerca dele. Porque o fiz, refletindo sobre qual seria o nosso ponto zero e em que momento o nada pode virar atração. No meio disso, reflexões a partir de acontecimentos do mundo. Enfim, várias entrelinhas estão no que é mostrado no vídeo. E ele nasceu, sobremaneira, depois de viver um dia em que fiquei completamente entediado nesta quarentena. Pra ser exato, semana passada, onde ousei dar uma grande pausa e desacelerada. Fiquei exausto de mim.

Um dos comentários sobre o vídeo que mais me tocou certeiro na alma (rsrs profundo isso) foi o de uma fã do Biquíni Cavadão e, por tabela, minha fã. Ela disse o seguinte: “O meu nada é tão cheio de tudo. Mas mesmo assim não consigo equilíbrio, parece aquela música do Biquini: ‘se fico parado eu quero andar… se ando um pouco só penso em parar’”. Aí vem a louca abstração que eu quero fazer. E é quase um divã do analista que vou criar aqui (risos). Li o comentário e fui ouvir a canção que eu não ouvia há muito tempo. Ao terminar de ouvir, logo pensei na frase de Millôr Fernandes que diz que “a música é a única arte que te ataca pelas costas”. Não tem jeito, ao ouvir uma canção somos arremessados ao fundo dela, como se fosse aquela onda que nos enrola por completo, e extraímos do que ouvimos toda carga emocional que a canção nos provoca. E, sim, eu tenho uma ligação com esta canção. Antes eu digo que hoje foi o dia em que retomei minha autoterapia. O que significa isso? Bom, eu escrevo uns cadernos terapêuticos onde falo de pontos cruciais da minha vida. Tento desvendar os nós que me paralisam e tento entender coisas que ainda me aprisionam. É um processo intenso e revelador. Estou já no quarto caderno só nesta quarentena, ou seja, já esgotei 3 em 150 dias. E hoje senti que precisava mergulhar nisso. Fiquei duas horas escrevendo e justamente quando terminei o processo, li o comentário. Bom, vamos ao que interessa. Esta canção citada pela fã do Biquíni tem tudo a ver com esse momento. Ouvindo hoje tive essa sensação. É algo que traduz uma agonia, uma vontade de ir e, ao mesmo tempo, o lance de se sentir preso. Dentro da letra tem esse desejo de se libertar, mas a fuga também representa algo que aprisiona. Que louco, né? Essa canção se chama No mesmo lugar, e é do baterista do Biquíni, o Álvaro Birita.

Hoje segui escrevendo, pensando em sair do mesmo lugar… Pensando em fugir do meu tédio que foi assustador na semana passada. E a fã vem justo com essa canção. Então, vamos ao que interessa de novo, sem rodeios, prometo.

Em 2014 eu saí em turnê com o Bíquini Cavadão. O pontapé inicial foi a gravação do DVD Me Leve Sem Destino, onde eles comemoravam 30 anos de banda. A minha participação é fazendo a pantomima da canção Dani. Pois bem, assim que montei o gestual da música eu fiquei muito empolgado com o resultado e mostrei para a minha namorada que me disse: “Cara, ficou foda, você é demais”. E me agarrou, enchendo-me de beijos. Aí fui pra São Paulo e gravei o que seria apresentado no telão do show. Depois era me preparar para gravar o DVD ao vivo em Goiânia. O dia do show foi marcado para o dia 31 de maio. Pra mim seria uma experiência mágica e muito importante: estar em um momento tão especial desta banda que ouvi tanto ao longo da vida. Aí vem acontecimentos que a gente não espera. Dia 3/05 terminei o meu longo namoro. E fiquei bem mal e com maior medo de entrar em depressão. Corri de tudo que é jeito para fugir de qualquer possibilidade de sofrimento. E nesse show, como era muito especial para a banda, todas as companheiras dos integrantes estavam lá. O que só piorava a minha situação, do cara mais solitário e triste do mundo (risos). E eu tentava disfarçar a minha tristeza e solidão. No bastidor do show, por causa do clima de Goiânia naquele momento, a rinite acabou me atacando. Espirrei 1750 vezes. E quando me ataca essa espirração fulminante, a fome bate certeira. O que me restou foi comer. Lembro que comi duas saladas e duas lasanhas e bebi muita Coca Cola (coisa que eu ainda fazia muito). Tinha dado um problema no telão justo na minha parte e eu tentei manter a tranquilidade. Detalhe: o show foi pura adrenalina porque não sabíamos se a minha parte no telão rolaria sem o problema técnico ou não. Em resumo, o telão rolou perfeitamente e a parte que aparece no DVD foi feita de primeira, sem retoque. Depois da minha apresentação - que nem me dei conta de como foi, porque eu estava muito concentrado para não errar - fui relaxar. E aí veio uma canção, Pequeno Romance, e depois No mesmo lugar. E esta foi a canção que eu mais pude ouvir prestando atenção. E chorei porque tinha nela algo que eu não entendia. Chorei, chorei gostoso. Achei que era emoção por ter realizado o meu trabalho depois de tantos processos emocionais.

Hoje, ouvindo essa canção depois do comentário da fã, foi como se eu tivesse diante de uma polaroid; e sorri, entendendo como aquele momento foi o começo de algo muito maior na minha vida. Eu perdia um grande amor mas também me ganhava de volta.

Quando o DVD chegou em minha casa foi quando desabei na emoção ao ver o quanto ficou especial a minha participação. Eu não tinha mesmo me dado conta de toda aquela energia ali. Eu estava meio que anestesiado. E tudo fluiu como tinha que ser. E eu chorei e chorei, vendo repetidamente o DVD. E lembro da minha mãe dizendo algo interessante ao ouvir a canção NO MESMO LUGAR. “Olha, eles são alegres, mas essa música tem uma coisa triste”. E, talvez, tenha mesmo. No entanto, também há beleza na tristeza. Hoje sinto que ali, no momento congelado do DVD, eu fugia pra chegar em um lugar que ainda não sabia qual era. Poderia ser O MEU NADA. Que também seria o meu tudo. O ponto de partida. E foi. O começo de uma transformação profunda.

Fiquei um século sem ver essa minha namorada. E fiz processos para superá-la em minha vida. Porque foi um amor que deixou marcas profundas. E uma das coisas mais loucas que fiz foi não pronunciar o nome dela em hipótese alguma. E essa decisão veio depois que eu me converti ao budismo no dia 16/03/2018. Foi um exercício não pronunciar o nome dela de jeito nenhum. Hoje acho engraçado esses processos, afinal, eu também já queimei cartas de ex no meu quarto quando eu tinha 20 anos. E ainda por cima estava com a janela fechada. Ficou uma fumaceira do capeta. Hoje lembro disso e me divirto. E olha que coisa… Esse ano fiz duas constelações familiares. Em uma delas, em fevereiro, a consteladora sugeriu um exercício do perdão. E, ao fazer, qual foi o primeiro nome que me veio na cabeça? Sim, o dela. E disse o nome em voz alta. Cara, foi tão estranho ouvir esse nome depois de tanto tempo. Mas ele saiu de forma tão natural e ali vi que finalmente eu tinha superado… não só o nome. Mas ela.

Ano passado uma das canções que eu mais ouvia do Biquíni era Soltos pelo ar, do disco As voltas que o mundo dá. E hoje, depois do NO MESMO LUGAR, achei que Soltos pelo ar complementava bem a mensagem da canção que foi parar no comentário do meu vídeo. A frase que mais gosto de Soltos é: “Que tudo seja exatamente como nós não planejamos”. E aí reside os mistérios da vida. Os imprevistos que podem se converter em coisas muito especiais.

E agora veja só as voltas que esse texto deu só pra dizer que tudo se conecta na vida e pode gerar um rompante emocional e de grandes lembranças. Confesso que tentei fugir para não escrever este texto, mas achei que seria tão importante e transformador escrevê-lo que agora estou buscando dar um ponto final e não consigo. Nem sei como terminá-lo, porque isso aqui também é parte da emoção que estou tendo ao terminar de escrever o livro que devo lançar semana que vem. Que falo de forma transparente de pedaços tão importantes da minha vida. Primeira vez que me debruço sobre ela e tento colocá-la em versos, de forma sistemática. Foi doloroso e, ao mesmo tempo, tão rico o processo. Morri e ressuscitei mil vezes. O livro vai se chamar “+ ou - Isso (poemas do voo e da queda)”. Mas, sem rodeios, como eu posso acabar este texto? Ah, sim, já sei… A você que me lê agora e que chegou até aqui, toda a minha gratidão! Afinal, tudo que mais desejamos na vida é ter um pouco de atenção. Tudo foi exatamente como não planejei e, por isso mesmo, tão bárbaro. Tão bárbaro!

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 24/08/2020
Código do texto: T7045310
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