Quarta-feira de cinzas*

“Quando a canção se fez mais clara e mais sentida

Quando a poesia realmente fez folia em minha vida”

(Peninha)

Outro dia dei-me conta de que finalmente tinha vivido a primeira música pela qual me apaixonei.

Devia eu ter uns 9 pra 10 anos quando me viciei na música “Sonhos”, do Peninha, cantada por Caetano Veloso. A culpa foi do meu pai, que passava as tardes de sábado ouvindo música e me ensinando, sem querer, quais eram as das boas.

“Sonhos” foi então uma das primeiras que me impressionou: pela melodia talvez, já que passei anos sem entender o que era a tal folia que a poesia fazia na vida de Caetano.

De poesia, nem idade eu tinha para apreciar, e de poesia fazendo folia, isso era feito explicar em grego o que eu ainda estava longe de sentir.

Doze ou mais anos se foram e, depois de já entender a frase há muito, foi que ela me aconteceu. Até já contei muito dessa folia que me ocorreu, mas reconto pela necessidade de escrever o que não posso viver e por ser, hoje, aniversário de cinco meses da admissão dela na minha vida.

Há uns cinco meses, de música eu já gostava desde os 9, mas de poesia, nunca fui leitora. (A minha impaciência, que hoje desconheço, me aporrinhava a ponto de me impedir de ler versos.) Foi quando eu li, e gostei de poesia. Sonhei, e acordei: apaixonada. Foi assim que tudo começou.

A sensibilidade, que já era tamanha, subiu à flor da pele arrastada pela poesia: destruição: eu não mais tinha controle do tamanho da beleza que enxergava no mundo, nem do que sentia pelos outros, nem por ele.

Não entendi como tão de repente isso se deu, mas amanheci sem saber como encarar quem aparentemente nada tinha a ver com os passarinhos e os caramujos de Manoel de Barros (quem eu lera no domingo). Fazia ele me sentir como estar lendo poesia? Não sabia ao certo e por isso neguei até admitir, no dia 11 de junho, que a poesia fazia, sim, folia na minha vida. E ele era o folião.

Pois hoje é também o aniversário do meu melhor folião. Ele brinca cá na folia que a poesia ainda me faz, mas, infelizmente, não posso acompanhá-lo: não posso brincar, nem dançar, nem abraçar, nem beijar, nem nada. Nem hoje e quase nunca.

Hoje a sexta-feira está com ares de quarta-feira de cinzas.

*Crônica originalmente publicada no site: Crônica do Dia ( www.patio.com.br/cronica )

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 12/11/2005
Código do texto: T70480