Oferecer o melhor, nem sempre é suficiente.

Eu a conheci quando eu ainda era criança pequena.

Uma tia que nascida em 1910, era conhecida na família pela sua altivez.

Ela era casada com meu tio, caminhoneiro aposentado e como característica marcante, era tirador de "sarros".

Nunca tiveram filhos.

O meu tio adoeceu num determinado dia e após internação faleceu deixando a minha tia, viúva e, filhos do seu primeiro casamento.

Os anos foram passando e nós todos envelhecendo.

A minha tia chegou aos 93 anos, no ano passado, com a saúde de ferro, mas...debilitando-se carnalmente, ano a ano.

Eu soube que quando jovem, aos 25 anos mais ou menos, ela trabalhava

em uma Empresa de Tecelagem...possuía lindos cabelos, era muito bonita.

Em dado dia, trabalhando, por descuido ou falta de segurança no maquinário (naquela época não havia tanta cobrança nesse quesito),

Os seus cabelos ficaram enroscados no maquinário e o seu coro cabeludo foi arrancado.

Os médicos conseguiram em parte reconstituir o seu aspecto físico, com cirurgias, enxertos durante longos anos, e como solução, o uso de peruca.

E assim sempre a conheci, de peruca.

Quando criança não considerei isso algo anormal.

Eram os cabelos dela e pronto.

Com o passar dos anos, muito fraca, ela veio morar em nosso meio.

Não possuía mais o glamour de outros tempos e requeria cuidados

extremos.

Por incrível que pareça ela escondeu de todos que possuía resquícios daquele antigo e forte ferimento...um tumor que nasceu após, e que mesmo extraído deixou sequelas que foram aos poucos destruindo o seu cérebro.

Nós descobrimos que ao colocar a peruca por anos ela passou a "abafar" a área afetada e por ali se estabeleceu uma necrose profunda.

Havia momentos de confusão mental, de gritos de dor, de choro, de silencio profundo.

Lembro dela a maior parte do tempo na cama, sentada com a cabeça entre os joelhos mexendo a cabeça de lá para cá e vice-versa.

Os exames constaram e juntas médicas confirmaram um estado irreversível, onde somente o repouso, mediante morfinas, era o destino.

E passaram-se alguns poucos anos...e a Tia veio a falecer na semana passada. Como muitos disseram...descansou do sofrimento.

Eu considero uma incógnita saber por que uma pessoa sofre tanto fisicamente por anos a fio...sem ter noção da realidade.

E oferecer o melhor, nem sempre é suficiente.

Enfim, que descanse em paz, tia.

+ 23/08/2.020

Robertson
Enviado por Robertson em 29/08/2020
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