Presente para o menino de rua

Era uma vez um menino de rua que na manhã fria do dia do seu aniversário, rezou a Deus e pediu de presente, o melhor dia da sua vida.

A manhã correu apressada; a tarde veio, sorriu e sumiu sob o vestido negro da noite, e tudo continuava cinza como nos outros dias.

O menino engraxou um último sapato, caminhou, sentou-se nas escadarias de uma grande catedral, e chorou... Esperara o dia todo pelo seu presente, e, no entanto, tudo era igual, exceto pela vontade de viver, que agora quase nem existia. Passou as mãos sujas no rosto lavado com água e sal, e logo após, sentiu um aperto incomum em seu peito.

O mundo lhe fizera uma surpresa de aniversário. Dera-lhe uma bala.

Na hora, não soube distinguir qual o sabor: Morango? Menta? Cereja? Não! Tinha sabor de aço e recheio de ódio. E ali sozinho, agonizando, chupou sua bala até o fim.

Quando abriu os olhos novamente, estava diante de um homem negro que se vestia como um índio. O homem aproximou-se do menino, que também trajava uma vestimenta indígena, olhou-o nos olhos e o abraçou. Afastou-se um pouco, deixou que o menino retomasse o ar, e lhe falou: “Meu filho, sou aquele a quem as pobres religiões chamam de Deus. No decorrer dos séculos vim acompanhando a história do teu país, e confesso que houve momentos que lavei o chão deste céu, olhando meus filhos que ali moram. Uma terra invadida, escravizada, que tem o sangue do índio e do negro, arrancados de seus costumes e obrigados a servir homens que em nada lhe serviram. Um povo do qual, nem a corrupção maligna que há em seus representantes, que enriquecem jogando crianças nas ruas e obrigando-as a trabalharem por um simples pedaço de pão, nem essa carnificina silenciosa, rouba-lhes a esperança em dias melhores. Como pode um filho amar seu pai, se deixa seus irmãos morrerem na mais cruel miséria? O pai não sofrerá com isso?... Nesta manhã ouvi teu pedido, e agora, te dou uma eternidade, onde todos os dias serão os melhores de tua vida... Meu filho... Feliz aniversário”.