Sinais da idade

Lembro que em meados dos anos 70 fez muito sucesso um espetáculo teatral chamado Brasileiro: profissão esperança, estrelado por Paulo Gracindo e Clara Nunes, com a direção do paraibano Paulo Pontes. No palco era contada a história de dois personagens muito ativos na noite carioca, nos anos 50, Antonio Maria e Dolores Duran. Eram, entre muitas outras atividades, compositores, e deixaram verdadeiras pérolas no cancioneiro popular. Só para lembrar, entre muitas outras músicas eles compuseram, respectivamente, Ninguém me ama (ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor) e Estrada do sol (é de manhã, vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu...).

E por que essa lembrança? Tudo a propósito de um dos textos do espetáculo que relata a vida de Antonio Maria, e da sua associação com uma pergunta que comecei a me fazer. “Ele era um de 5 irmãos. Desses 5, quatro eram bonitos. O feio só soube que era feio, no colégio, que é quando o padre escolhe os que vão ajudar a missa e sair na procissão”. Foi assim, dessa forma, ainda bem jovem, que ele tomou conhecimento de como era visto, no aspecto físico, pelas outras pessoas.

A pergunta que logo me ocorreu, por conta de uma perda recente, foi: e quando é que sabemos que estamos ficando velhos? Quais os sinais que indicam que estamos nos aproximando desse estado?

É claro que o corpo é um dos primeiros a nos trair. É inevitável. É só olhar um álbum de fotografias que os sinais do tempo são logo denunciados. O que está à nossa volta acaba sendo também bastante revelador. O crescimento dos nossos filhos, netos, e os dos amigos, evidenciam que o tempo está passando. Sem falar nos cabelos que rareiam e insistem em mudar de cor. Até começar a parte mais dolorosa: a das perdas. A presença de avós, pais, mães, tios, passa a ser coisa rara em reuniões de família. Deixam, sem querer, de aparecer nas fotos. Só comparecem nas lembranças.

Aceitemos que essa é a lei natural das coisas. Nascemos, crescemos, aprontamos um bocado e morremos. Ninguém vai mesmo ficar pra semente. Mas que dói, dói!

O golpe maior é quando os amigos e amigas da nossa turma começam a ir embora. Como diz o Boldrim, alguns insistem, teimosamente, em ir embora antes do combinado. E lá vem mais dor!

Faz pouco tempo duas pessoas próximas se foram. Ela, por uma morte anunciada pela presença de um mal, que mesmo com toda a sua obstinação pela vida, não conseguiu vencer. Mas cantou até quando deu. Foi alegre e feliz até quando pôde. E a alegria da música pelos amigos do coro, embalou a sua viagem para a vida eterna.

Ele, mais parecido com o personagem de Drummond – o homem atrás dos óculos e do bigode – foi embora sem que a maior parte dos amigos nem soubesse que ele estava doente. Traiçoeira como a morte às vezes costuma ser, nem lhe deu chance de lutar mais pela vida. E deixou uma grande saudade.

Pois é. Esse é o mais trágico sinal da velhice. Os parceiros, os da mesma idade, começando a se transformar em lembranças. Só nos resta construir uma vida que possa ser transformada em boas recordações.

Fleal
Enviado por Fleal em 01/09/2020
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