Nunca fui de bisbilhotar a vida alheia, a não ser é claro, quando ela bate à minha porta e esconde no banheiro.
De frente pra sala do dentista descendente de japonês (da terceira geração de issei), ela se amontoava junto às suas trouchas, periodicamente, à espera da secretária.
O encontro era inusitado. Antes mesmo de se abraçarem, corredor adentro, esboçavam um sorriso largo e uns trejeitos de hiena no cio. Pareciam duas aves cacarejando, depois que uma delas pôs um ovo.
E como quem fizesse questão de não ser vista, embora as sacolas pretas em tamanho GG não permitíssem essa façanha, elas adentravam a sala vazia, e olhando para os lados, meio cabreiras, fechavam a porta.
O dentista tinha mais de um consultório, em cidades diversas, assim raramente aparecia por lá. Somente em dias de atendimento ao público, é lógico.
Na ponta direita da sala estavam meu computador e impressora. Programado para uma impressa direta, executava o serviço. Enquanto isso, enchia a terceira xícara de café do dia. O telefone tocou e pra minha surpresa era o vizinho de frente que, precisando falar com a secretária, pediu-me a gentileza de verificar se lá se encontrava.
De pronto atendimento, atestei a presença de Maria, não citando contudo, a visita inusitada da amiga das sacolas tamanho especial.
A impressora parecia mais uma máquina de lavar velha quando operava na função rápida e com ouvido cansado fui buscar uma distração no corredor, afinal, nem todo mundo traz um “Carlton” no bolso.
Telefone esgoelando de novo e em câmera lenta vou atender. Tenho todo tempo do mundo: hoje é sexta-feira, dia universal da felicidade. Ao atender, o extrator de dentes siso que, cumprimentando, solicitou que o favorecesse chamando a então funcionária.
- Espere só um segundo!
Mas como a lei de Murphy é convidativa, o celular toca e a ligação do vizinho de sala cai no esquecimento entre tantos detalhes de uma rescisão indireta. 
Quando enfim me recordo, bato à porta e dou de cara com a sacoleira que explica, um pouco sem graça, os motivos que impedem Maria de atender a ligação. Então vai ela, a amiga, levar o recado  pro chefe, ao telefone, bem no interior da sala. Mas,  como tinha perdido a noção do tempo...
De repente, como se fosse um fantasma, baixa feito espírito em sessão mediúnica, o dito cujo no corredor do prédio, fazendo com que a amiga entrasse em pânico e corresse para o banheiro. Sem entender muito bem, fiquei só aguardando as cenas do próximo capítulo. Até porque, nada justificaria aquela atitude intempestiva da mulher, quer dizer, quase nada...
Fixo os olhos na porta a ser aberta pelo dentista e... Than, than, than: parece brincadeira, mas não é: Maria formosamente fantasiada de Capetinha (experimentando), literalmente com um rabo na mão e vários produtinhos de Sexshop. 
Surpreso, o patrão olha para Maria, enquanto a mulher sai correndo feito louca, com as calças na mão, tentando se desvencilhar dos olhares.
O coitado, discretamente, volta a fechar a porta e aguarda alguns minutos na janela do corredor até que Maria, enfim, esteja pronta para o ofício.
Quando então, Maria abre a porta, ele entra calmamente e numa atitude carregada de ironia, pergunta:
- O capeta já foi embora? Já posso chamar o exorcista? E esboçando um riso sínico entrou no local de trabalho dando boa tarde. 
Maria se manteve séria, mais pela vergonha, pediu desculpas e licença e foi até minha sala levar as bolsas para a vendedora que se encontrava escondida no toalete.
Ao fim do dia, quando então o expediente terminava, bem depois do horário habitual, ao fechar a porta e caminhar para o elevador, ouço uma voz ao fundo:
- Boa noite! Maria esqueceu de entregar o rabo... E abanando a cauda veio ao meu encontro.
Sem dizer sequer uma única palavra, afinal intimidade alguma tinha com o locatário da sala, apertei o botão da portaria e desci olhando para o espelho gigante do elevador, repetindo:
- Proprietária de Sexshop, não! Só me faltava essa. Sextou com chave de ouro! Fazer o bem, sem olhar a quem. Vai lá samaritana! Sombração sabe pra quem aparece. 




 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 03/09/2020
Reeditado em 03/09/2020
Código do texto: T7053436
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