TERNURAS DE SETEMBRO

Domingo, 06 de setembro/2020
Ares precursores de primavera.No portão da rua lateral de minha casa, espio preguiçoso a paisagem.
Ninguém pelas ruas, um silêncio perfumado viajante nas asas deste vento que eriça-me os cabelos.
Um silêncio ungido às laranjeiras, aos limoeiros , ao cinamomo da casa do vizinho.
Na verdade ele - o vizinho - é inquilino no imóvel que pertencera à minha saudosa professora Diva, lecionando agora em outras dimensões.
É tão antigo este arbusto, que já existia quando ela -a professora - adquiriu a moradia.
E quando setembro apresenta-se ele reveste-se de lilás, em cachos de minúsculas flores e esbanja a delicadeza de seu cheiro.
O vento morno que agora experimento, promove um vai e vem dos galhos e nesse bailado, a sutileza do aroma faz-me mergulhar em algumas ternas lembranças.
O monjolo de dona Luíza, às margens do "Riozinho", o bangalô dos italianos com vidraças instigantes espiando por trás de duas enormes árvores floridas, o caminho da primeira escola que frequentei, a lerdeza do gado ruminando preguiça,os cones de feno , nossos guarda pós, brancos - quase imaculados -e aqueles cinamomos destilando odores na pureza das tardes.
Mergulho numa tarde qualquer, distanciada no tempo:
Entre a olaria e a casa de "Nhá Juva", corria um pequeno riacho.
Alguns amigos e eu , pescávamos no trecho.
Na singela casa de Nhá Juva, um cinamomo ostentava-se em flores.
Na tarde varrida de ventos, o calor nos provocara sede.
A pequena casa, seria-nos um oásis naquele deserto.
Surge a terna figura de Nhá Juva para nos atender. Os passos lentos que arrasta, delatam os longos anos já vividos.Na tez morena, um par de olhos guarda o verde das florestas , a alvura dos dentes rasga-se num sorriso, e as palavras fluem com a doçura das bolachas caseiras na mesa da vovó durante o café das três..
Sua figura tem algo de maternal.
Abre o portão de ripas e nos acolhe ao redor do poço.Depois de muitas voltas, a manivela traz à tona um balde de água fresca.Abruptamente, uma lufada de vento esparge floradas de cinamomo sobre a água do balde .
A idosa nos serve algumas canecas de "água florida", brincando conosco:
-Bebam ! O que não mata...Engorda e se não engordar, perfuma e acalma os nervos.
Rimos, todos , e a pescaria fluiu por mais algum tempo naquele córrego de águas claras.
Feito um anjo,a doce figura de Nhá Juva nos observava da pequena janela.
Aquele dia ensolarado tinha o encantamento das sangas, o frescor dos arroios a cantiga entranhada dos sabiás e a ternura dos olhos de Juva.
Agora este começo de tarde de domingo, o calor, o vento, as floradas...Arremessando-me ao baú do tempo, fazendo-me pular cercas de ripas , empunhar anzóis e sorver de uma caneca, água de poço rescendendo a cheiros de setembro.
Nestes tempos tão áridos e preocupantes que têm amordaçado os sorrisos, calado as vozes e aprisionado alguns sonhos, sou grato pelas asas das lembranças que conduzem-me aos caminhos do tempo onde deixei bem guardados: arvoredos, cheiros, sorrisos e ternuras de...Setembro.