Há quem goste de guardar as lembranças nas gavetas do coração. Desde a primeira infância, coloco-as em caixas etiquetadas para conseguir visualizá-las ao longe e sempre que possível, resgato alguma perdida no tempo.
Ao abrir o guarda-roupa, os olhos buscaram a caixa amarela com a etiqueta escola/infância. Não resisti e resolvi abrí-la.
Comecei a estudar com seis anos. Lembro-me como se fosse hoje, meu primeiro dia de aula. Cheguei segurando fortemente as mãos de minha mãe que carregava uma lancheira e uma mochila colorida da Turma da Mônica.
Ao entrar pelo portão, daquela escola simples, cujo muro era uma espécie de lápis de cor gigante era como se, literalmente, entrasse numa caixa de lápis de cor, como se fosse o lápis branco.
Na portaria estava Sr. Francisco, figura ilustre, respeitada por todos, carinhosamente chamado de Seu Chico. Um homem forte, da raça negra, responsável pelo cuidado com os alunos desde o portão.
Seu Chico já era velho e mantinha uma pequena bengala em mãos que nominava cajado. Morreu anos depois de um infarto fulminante. Ele era um ser humano fora do padrão da humanidade, sua bondade e gestos eram sublimes, pena que os bons morrem cedo. Quando ele se foi, desenhei a frente da escola com ele feito uma sombra e, apesar de meus pais negarem, a sua permanência naquele lugar, o perfume dele nunca saiu dali e dava uma sensação de paz e aconchego.
Minha primeira professora era uma espécie de intrusa. Havia namorado meu pai, antes de casar com minha mãe. Como pode? Olhava pra ela e ficava enciumada: - Por sua causa quase não nasci!
Isabel era uma mulher triste, talvez por isso meu pai e ela não se casaram. Estava sempre olhando para baixo, meio concunda. 
Com ela aprendi a escrever as primeiras linhas e recebi, no último dia de aula, um certificado de aluna destaque, guardado a sete chaves. Foi ela também que me apresentou o primeiro livro: O elefante de orelhas grandes. Passava-se uma semana com o livro em casa e depois devolvia com resumo e outro final. Nunca reclamei de escrever uma só linha.
Está aí, a grande diferença do processo educacional daquele período, a escola era vista como uma porta de ascensão, era lá que se aprendia a ler, a escrever, a criar, a encenar. Era plural. Os livros eram emprestados e a obrigação de mantê-los impecáveis para o ano seguinte, nos fazia mais responsáveis. 
A escola de nome “Augusto Silva” era uma homenagem a um grande educador regional, e seus feitos eram vangloriados, ano a ano, nas festividades da data de sua morte. Era engraçado que davam uma ênfase para o dia que morreu e não que nasceu.
Foi ali que encenei meu primeiro teatro, dancei a primeira música, fiz poesias e aprendi a cantar o hino nacional brasileiro. Até hoje, a escola mantém essas tradições.
Na escola também aprendi a diferença entre educação e instrução, desde o primeiro dia. A família era um membro da escola com participação diária em todas as decisões. As agendas de reuniões eram intensas! 
Tantas lembranças, escritas à mão. Sim! A professora fazia questão de desenhar sua obra de arte caligráfica em nossos cadernos. Pena que a partir do ano seguinte o papel e as impressões tenham sido o novo modelo de enxergar a escrita. A letra cursiva deu lugar a de imprensa e as mãos foram perdendo a sua principal função no desenvolvimento cognitivo. Mal sabia que era só o começo...
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 16/09/2020
Reeditado em 16/09/2020
Código do texto: T7064405
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.