PROPAGANDA ENGANOSA

Quando o Tynnoko fez os arranjos do meu CD, financiado pela lei Tó Teixeira, deixei ao seu critério a escolha dos cantores que compartilhariam comigo, no CD, as gravações das músicas. Só pedi que os escolhidos, mais que cantores, fossem intérpretes e que dentre eles houvesse pelo menos uma mulher.

Após algumas tentativas infrutíferas de achar a mulher ideal (isso não existe), chegou a uma cantora que, de fato é uma das vozes mais bonitas da terra. Passou a ela as músicas para que escutasse e aprendesse.

Quinze dias depois o Tynnoko me procura e informa que infelizmente ela não poderia cantar no nosso CD, pois havia uma música que falava em carnaval e, segundo a religião dela, recentemente adotada, isso não poderia ser interpretado por ela.

A sugestão do Tynnoko foi que eu fizesse outra letra e ele fosse meu parceiro em outra composição, a qual ela pudesse gravar.

Dei algumas letras a ele, mas lhe faltou inspiração para fazer a melodia ou talvez não tenha gostado.

Não concordo com a posição da cantora, pois a maldade no carnaval está na cabeça das pessoas e não na festa em si, seja lá como ela tenha surgido. O ruim não é andar de ônibus ou caminhar pela rua. A maldade está nos assaltantes que se aproveitam da situação para praticar atos ilícitos. Principalmente minha música que é uma ode à vida sendo o carnaval apenas um veículo para homenageá-la.

Enfim, embora não concorde, respeito sua posição da mesma maneira que respeito minha criação e decidi, em vez de mudar de música, mudar de cantora. O maestro achou uma, pra mim desconhecida, mas com uma voz lindíssima e com uma presença tão bela quanto.

Esse papo todo foi só para dizer que em nossas conversas posteriores acabou germinando a ideia de fazer uma música em parceria, até que o Tynnoko se engraçou com a letra da “propaganda enganosa”.

Como estávamos na iminência de fazer um show, todos do Clube do Camelo concordaram em colocar no repertório a tal da música. Talvez todos tivéssemos muito inspirados no título da música, pois apesar de termos divulgado que ela seria uma das que seriam cantadas no show, a verdade é que acabamos nos apresentando sem a dita cuja.

Passados alguns meses, depois de muita insistência minha e gozação dos camelos o maestro informou: a propaganda está pronta. Fui a casa dele, gravamos uma prévia e mostrei à cáfila.

Ninguém gostou.

A música é boa, simples como as minhas, do jeito que gosto, mas não caiu no agrado do restante do grupo. Fizemos outros shows e nada de mostrar ao público.

PROPAGANDA ENGANOSA

(Almir Morisson)

Foi propaganda enganosa

Produto sem garantia

Eu tento mas não consigo

Me livrar dessa guria

Depois do papel passado

Descobri que fui lesado

Disseram que eu não podia

Trocar a mercadoria

Contratei advogado

O PROCON foi acionado

Pois a loja não cumpria

A promessa que fazia

Não pude nem devolver

Pois a tal mercadoria

Nunca teve garantia

A estética é que valia

Mas o seu funcionamento

Era uma porcaria

Foi propaganda enganosa

Produto sem garantia

Eu tento mas não consigo

Me livrar da Ana Maria

Como a letra é engraçada e queria que de fato o parto fosse realizado, fiz uma melodia, em ritmo de samba para a mesma letra procurando chegar mais ao gosto do grupo que, nessa altura, pelo menos para aquela música, já estava mais como dromedário do que como camelo. Uma corcova já tinha ido embora, na casa do sem jeito.

Assim eu não precisaria arranjar outro pai e eu mesmo seria o hermafrodita que faria nascer o rebento e talvez o nosso amigo maestro não se zangasse.

Achei a situação estranha. Queria ter uma parceria com o Tynnoko e tinha gostado da música.

Mandei pro Gervásio a outra melodia imaginada por mim. O Prota (o segundo nome do Gerva é Protásio) confessou ter concluído, depois de escutar bastante, que a música do Tynnoko era boa e que não seria ético, da mesma maneira que eu achava, limar a melodia do maestro.

Sugeriu e aceitei de pronto, que eu fizesse outra letra para a melodia que criei. Acho até que já estava pronta na minha mente, pois imediatamente mandei pro Gerva e ele respondeu, no jargão internetez: BLZ.

A nova letra era assim:

PIOR É QUE EU GOSTO DELA

(Almir Morisson)

Pior que eu gosto da nega

Pior é que eu gosto dela

A vida me pôs na frente

Uma nega diferente

Pra ela nada ta bom

Só ela é que sabe o tom

Eu sempre fui carinhoso

Mas a nega não dá fé

Até pra fazer amor

Só no mês que ela quiser

Se eu digo que a coisa é boa

Ela diz boa não é

A nega reclama a toa

Mas não me larga do pé

Mesmo se lá no fundo

Certo ela sabe que é

Replica que tá errado,

Só do jeito que ela quer

Um dia porque alguém

Me agradou sem compromisso

A nega enfezou-se toda

Foi um tempo em rebuliço

Vou levando a vida assim

Segurando essa mazela

Ninguém tem pena de mim

Pior é que eu gosto dela.

A hipotética “Ana Maria” era a mesma. Só que a história era outra. A minha um samba mais de raiz e a do Tinnoko mais carnavalesco. Gêmeas, mas não univitelinas.

E falando em jargão: Entre mortos e feridos salvaram-se todos...