Hotel Regina à rua Ferreira Viana - Flamengo - Rio

O FLAMENGO

                      Li, há poucos dias, um livrinho que discorria sobre um dos bairros mais populares do Rio de Janeiro - o Flamengo. Foi, justamente, no Flamengo que passei metade da minha infância. Digo metade porque vivíamos metade do ano na nossa casa em Botafogo, e a outra metade ali, na Praia do Flamengo, esquina com Ferreira Viana.

                     A casa pertencia a um dos ramos da família "Leitão da Cunha" que, segundo o costume de então, "subia" para Petrópolis tão logo chegavam os meses de verão. Aliás em Petrópolis, não na casa dos "Leitão da Cunha", mas na dos "d'Orey" passei muitas das minhas férias escolares.

                     Desconheço a época em que esse vai-vem começou, bem como a data do seu término. Não tenho idéia. O certo é que passávamos 6 meses em Botafogo e 6 meses no Flamengo. Penso que a finalidade de nossa presença no local era não deixar a casa de todo desabitada, com aparência de abandono ou, talvez, houvesse a incumbência de arejar, vez por outra, os quartos e salas. Sei apenas que vivíamos lá como se fosse em nossa própria casa. Meu pai continuava indo para o seu trabalho, minha mãe continuava com suas costuras, e eu com o meu colégio.

                    Foi no terreno em que ficava encravado esse casarão que aprendi a andar de bicicleta. Não só fora, mas inclusive dentro de casa eu dava os meus treinos. Engraçado, lembro agora que não havia jardim ou qualquer tipo de planta ornamental, somente grandes ficus nodosos. Bem diferente da casa de Petrópolis onde havia plantas e flores em profusão. Nunca vi camélias tão lindas...

                    O prédio principal ficava de frente para a Praia do Flamengo, rente à calçada. Não tinha, sequer, um recuo. O dos empregados, enorme (minha mãe, certa vez, fez uma criação de coelhos em um dos compartimentos), localizava-se quase no meio do terreno, um pouco afastado do outro. Bem lá no fim existia uma garagem que abrigava um reluzente automóvel de modelo antigo. Nunca o vi sair do lugar. Seguindo-se á garagem, mas em área separada, erguia-se o "Hotel Regina", também pertencente à família. Não sei se ainda existirá hoje em dia.

                     Algumas vezes aparecia uma hóspede: D. Maria que fôra casada com o Eng. Heitor da Silva Costa, responsável pela construção do Cristo do Corcovado. Senhora bem idosa, parente das proprietárias, que fazia questão de que eu a chamasse de vovó. Já nessa idade eu era meio ressabiada e nunca me acostumei com a idéia - preferia ignorar a sugestão.

                     Do outro lado da rua, na esquina oposta,
ficava o "Edifício Seabra", prédio famoso talvez por ter sido um dos primeiros a serem construídos na orla marítima. Nesse prédio morava o Roberto meu companheiro de folguedos. Sua mãe cantava música erudita e vivia ensaiando escalas e solfejos que ecoavam pela rua inteira. Motivo de risos e chacotas para os motoristas de táxi que faziam ponto bem em baixo do prédio.

                      Tantas coisas esquecidas que eu gostaria de lembrar... Naquele tempo não me interessavam os detalhes da vida cotidiana, não vivia imaginando o porquê disto ou daquilo, aceitava tudo muito naturalmente.

                      Esse lugar onde passei parte da minha meninice está ocupado, atualmente, pelo "Hotel Flórida". Quem sabe, qualquer dia mais à frente, eu arranje tempo para hospedar-me lá e reconstituir um pouco da minha história.