Acordei com a lista na mão. Pra falar a verdade, dormi com ela. Todo processo seletivo, por mais simples que seja, demanda renúncia. 
Tenho muitos defeitos, confesso, quem não os tem? Mas evito dispensá-los, sem critério, sei lá qual deles ajuda a sustentar minha areia movediça, não é?
O descalibre de minha bússola é evidente, esquerda e direita fogem à racionalidade quando em situações de stress, e só levantando os braços pra me posicionar no universo; não tenho nem cor nem comida prediletas. Faço então meu processo seletivo ao contrário, eliminação por critérios lógicos.
Minha “Veia Bailarina” continua bem, obrigada! Inácio de Loyola Brandão não pode dizer o mesmo há alguns anos... um AVC hemorrágico o fez mudar de planos. Mais importante que voltou para nos sua história!
Se Rubem Alves afirmou que “Ostra Feliz não faz pérolas” vou contestar pra que? Ele levou tempo entre pesquisa, anotações e a escrita. Poderia, do alto da minha insignificância temática ou ignorância fazer pinta de vilã e criticá-lo, sem contudo andar pelo mesmo caminho?
Se Nem Freud explica, menos ainda uma mera mortal que briga com as crases e faz pesquisa virtual?
Mas o estopim dessa crônica foi escolher o melhor texto que li na vida. Engraçado que não era uma perguta feita com o propósito de tirar do lugar comum, mas será que existe texto perfeito?
Uma vez li uma oração datilografada pelo meu avô, dada a minha vó, antes de morrer, em que conversava com Deus como se estivesse sentado à mesa, puxando-lhe inclusive, a cadeira e discorrendo os medos quando de sua potencial morte. Foi o texto mais lindo que li sobre resiliência.
A carta de despedida de minha melhor amiga que morreu aos 32 anos, dizia que a alma não sustenta decepções com fartura de sonhos, ela morre com sede de esperança. Foi o melhor texto que li sobre tristeza.
O texto feito para uma prima quando de um aborto espontâneo, no nono mês de gravidez, como se criança fosse, foi o melhor texto sobre inércia e descontrole.
A tese de mestrado levantava uma hipótese fantástica e concluía com maestria a indicação proposta, estava de acordo as normas técnicas, mas seria o melhor texto?
A redação nota 1000 no ENEM, atendendo a todos os requisitos da norma culta, seria a perfeitinha sob qualquer olhar?
O melhor texto toca ou choca?
Li Clarice, Érico Veríssimo, Chico Buarque, Machado de Assim, Drummond, Tati Bernadi, Adélia Prado, Jorge Amado, Cecília Meireles, Cora Coralina, Vinícius de Morais e tanto outros, perfeitos na cátedra e tantos outros que simbolicamente escreve nesse recanto, li jornas, revistas, bulas de remédio, receitas, e rótulos de shampoos e produtos em geral, mas confesso, o texto que mais me tocou, ao longo de toda a vida, escrito por alguém que sequer sabia as conjugações verbais, foi um pedido de socorro de uma menina de 9 anos que era violentada e abusada pelo padrasto, dono de uma padaria. Na folha de papel rasgada de um caderno amarelado estava escrito: pode me ajudar... Não aguento mais sangrar! Sofro abuso.
Depois daquele dia, todos os textos ficaram pequenos e vez ou outra me pego pensando como esse mundo é cruel, digo, como as pessoas são cruéis. Nem todo texto termina em poesia! E nem sempre o melhor é o mais bonito... Há textos que fazem perder a fala, a escrita!...

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 27/09/2020
Reeditado em 28/09/2020
Código do texto: T7074002
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