Álbum de fotografias

Eu sei que o tempo passou. As rugas fazem questão de me dizer isso aos meus olhos. Eu sei que o tempo passou: a infância se foi, os primeiros amores passaram, alguns sorrisos se tornaram lágrimas, e lágrimas se tornaram sorrisos e algumas pessoas que eu conheci também passaram - seu Fernando da barraca de doces, por exemplo -, porém estou viva. E se eu ainda estou viva, tudo isso permanece em mim como memória, mas ao mesmo tempo é como se fosse um sonho distante que vai se esvaecendo nas paisagens que pintei.

Tenho certeza que essa que eu lembro não é a mesma que outras pessoas se lembram. Tenho certeza que se eu me encontrasse comigo mesma de alguns anos atrás, não teria nada a ver com quem eu disse ser e muito menos com quem eu sou agora. Ela riria de mim e eu, tentando manter a pose de mulher adulta e segura de mim, apenas daria um sorrisinho apiedado fingindo conhecer toda a verdade por trás de cada ação. Mas... no fundo seria a mesma coisa que nos moveria. Talvez o adjetivo "segura de mim" fosse levado à sério demais para ser verbalizado. Ou, quem sabe, no fundo nós duas saberíamos que tal coisa é invenção. Basta uma coisa dar errado, fugir ao nosso controle que essa segura BUM, vá pro espaço.

Mas a gente estaria presa demais ao nosso papel para admitir isso. Talvez ficássemos sem nos falar por meses, até anos. E só nos veríamos quando achássemos que somos iguais o suficiente para dialogar...

Acontece que eu já estava nela, e ela ainda está em mim. Por isso que eu olho pras fotos dela - que na verdade sou eu - e sorrio. No fundo às vezes acho que em certas coisas essa eu tinha uma poesia que eu hoje não vejo em mim, coisa que talvez minha eu do futuro diria que ela não tem mais e que nós duas aqui tínhamos. Até que um dia sem poesia nem nada, o livro se fecha e tudo o que sobra é uma lápide com meu nome e as datas. E se tiver uma frase, será a dos outros.

Mas a poesia da vida... não sei porque ainda não a localizei em mim. Será que deve ser porque eu ainda a estou vivendo e que cada eu que compõe é um verso a mais que vai se destrinchando? Pode ser isso. Eu não ouço ainda porque a vida toda está ocorrendo e não sei o que pensar. Sei que o tempo passou. E as fotografias, os poemas e as lembranças e os meus conflitos e sei lá mais o que me dizem que, na verdade, viver é inevitável. E eu estou viva.

E isso é muito bom.