Depois de oito anos o relógio resolveu parar. Era uma relíquia fixada à parede e guardada por gerações. Lembro-me, quando ainda criança, de esperar o cuco sair de sua casinha, a cada hora, como se fosse um espetáculo.
As recordações vieram feito vento de outono permear os sentidos que se viram nivelados em emoções do passado, como se a máquina do tempo fosse concreta. O cheiro do café moido e socado no pilão, bem na varanda, circundada de crianças curiosas que se revezavam no ofício, enquanto a outra linhagem, a dos artistas, fazia em papel rascunho, desenhos de rostos que receberiam como cabelugem, os grãos não selecionados para consumo. Nunca tive habilidade com as mãos, aliás, cresci com a ideia de que era a única que não possuia dons para o artesananto, ao passo que minha irmã mais velha, tinha nos dedos a grandeza esmerada.
O fim da tarde era coroado com um café e um bolinho de chuva, feito pelas mãos de uma fada da árvore genealógica paterna: a vozinha do vestido florido com cinto de pano, o sapatinho de solado fino e a trancinha delicada, num longo cabelo. Nunca comi bolinho igual, eram esferas minúsculas em 3D, sem nenhuma imperfeição, passados no açúcar com canela e servidos em tabuleiros.
A viagem ao TÚNEL DO TEMPO termina com o relógio na mão, num antiquário, à procura de uma peça que daria ao cuco mais vôos, mas pela precariedade, será item de decoração. No armário dos sentidos cabem lembranças vistas a olho nu, torneadas da saudade, que se assenta em nós, nos moldes de infância.
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 29/09/2020
Reeditado em 29/09/2020
Código do texto: T7075215
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